29 setembro 2011

A escrever...


Se me ponho a escrever, a escrever, tudo verte. Estou doente, tive febre, tenho dores no corpo. O meu pai anuncia Gripe. Mais uma, das muitas que virão. E se me ponho a escrever, a escrever, o mal-estar da gripe, está tudo perdido. Num espirro não vai caber a dor de olhos. Dou por mim a sonhar que caem das órbitas. Desculpem, mas a gripe, a febre e o estado de escrever, escrever, não devem ser muito compatíveis.

Então, sentada, com dores, ate nos joelhos, arranjo forma de me fazer exprimir. Tudo é em demasia, agora e já. Pesada na gripe, nas dores, na febre de ontem, no sono teimoso e inconstante. A escrever, a escrever, sem sentido nenhum, por que não posso tomar sentido. A febre proibida, que grande açoite levei. Está bem.

Próxima fase. Anti-histamínicos, anti-piréticos, chá. Leite com mel. A língua áspera de tanto doce. Não acalma. Ai a febre e as dores. Tanto que fica por fazer. Mas eu ponho-me a escrever, a escrever! A vida não me manda parar de escrever. Como me sinto Portuguesa, enrabichada na dor da escrita. Anedotas fora de horas, talvez façam sentido quando me baixar a febre e a tosse.

Quando passar, mais uma próxima fase. É assim que se faz. E eu continuarei a escrever, a escrever. Talvez um dia directa ao assunto, que já mete nojo. Nojo!

27 setembro 2011

Casacos de força



Ontem ia pela rua a caminho de me estirar no sítio do costume e só pensava em casacos. Ia com a percepção que tinha de escrever sobre os casacos. Juntava-se a certeza de que ninguém deve ter grande vontade de ler sobre casacos. Mas arrisco.

Estamos naquela fase do ano em que os casacos começam a fazer sentido. Eu, pessoalmente, ofereço grande resistência a pô-los em mim, por que me obstruem, nomeadamente, os movimentos. Só ouço o outro dizer Você deve andar pelo menos meia hora a pé, diariamente. Tem energia a mais. E, de facto, existem muitas coisas que me movem. Por vezes, até os casacos, meus e dos outros. Quem me lê, quem me vê, quem me sabe, já reparou que estar quieta é algo que não me assiste. Aprendi a descansar sobre bailados e brincadeiras e ver televisão, que tem se tornado enfadonho. É, então, fácil ser movida por motivos, sejam eles até casacos. E será fácil entender que os outros, com casacos ou sem eles, as vezes fiquem contagiados por esta inquietude.

Ontem, com os casacos na cabeça e a necessidade de os pensar, ela diz assim por de lá de trás Às vezes, você também fica nostálgica, cansada e com necessidade de estar quieta. Pois claro que fico. E claro que o reconheço. Por mais estúpido que possa parecer, até o estar quieta tem um motivo e geralmente é a confusão que os outros fazem, nomeadamente quando tiram o casaco e o pousam da minha mesa. Azáfamas internas e longas. Só me ocorre o Wishful Thinking e o Tu puxas pela meiguice.

Mas de casaco vestido só se ouve o escoado fluído de um flute de Champagne que caiu no goto. Estranhamente adocicou e a conversa leva-me às gargalhadas. Tenho de encontrar o tempo. Escrever de pé dá gozo, mas falta o tempo. De escrever, sim. Mas estou à procura do tempo, com ou sem casacos de força, mais ou menos translúcido e sem que me doa os olhos. Descubro-me, assim, de pé, outra vez, a olhar para o texto e vislumbrando os dedos enrubescidos de agarrar tanto o cabelo, que insiste em não ficar no lugar certo. Há coisas que teimam torcer para fora, quando deviam rolar para dento.

Metamorfoses. Borboletas. O calor que se foi. O abraço que se abriu. E eu continuo à procura do tempo. 
Com ou sem casaco. Com ou sem as palavras que me faltam para voltar a puder sentir os braços, que estão leves desde que me chegou ao conhecimento o fardo.

De facto, histórias sobre casacos são as que eu não sei de todo escrever.

f...ck






27 de Setembro de 2011

21 setembro 2011

Submersão involuntária


Os beijos afogaram-se. Não sei de ti. Na minha alma vive uma angústia. Só uma. Essa que se sentou e agora me ofusca os dias e as noites. 

Deve ter havido mais do que um dilúvio, por que um mora nos meus olhos – inchados e que ardem. Ainda ontem me relembraram que tudo o que arde cura. De facto o que incha desincha e passa. Mas tudo isso soa a erudição popular a mais e hoje eu não me sinto nada popular. Estou sofrida e a sofrer. Qual é a diferença? Pois a diferença é que estar sofrida engloba o que se levantou e foi. O sofrer aglomera a cadeira onde a amargura se sentou. 

Há expedições tocantes. Uns altercam por salvar o Mundo. Outros por conquistar o campeonato de futebol. Ainda há aqueles que se combatem por encontrar um sítio para jogar à malha, velho jogo que me lembra o meu avô. Eu debati-me por lutar por um postilhão. E mais irónico é que ganhei outro – ora aí vai ela em queda livre, do amor para um fundo mar, gelado, que enruga os dedos e faz cãibras nos outros dedos. Despedaçada. 

Os beijos afogaram-se e ainda os sinto aqui. Os olhares são como vidros. Tudo se confunde – ora é o maior anseio ter o teu olhar em mim, ora me trucida o peito. E digo isto como se ainda o tivesse. Ter de posse, ter de meu, ter para mim. Se me dizes, entre declarada dor tua, que me deste o teu coração, pois eu em dor afirmativa, e como um dar com a cabeça na parede, dei-te o meu. E é nisto que eu me sei – não sou a Barbie, não sou a Fada, sou apenas uma pessoa sovada pelo atropelo que é o amor. 

Relembro-me dos livros lidos na minha longa adolescência. Experimentava as frases, esperando um dia viver assim um amor daqueles, que conduziram o Esteves Cardoso e o Pedro Paixão escrever assim, de pedra e cal, sem medo das palavras. Não lhes importa, lia eu, se são palavras maltratadas e maculas. São as palavras de tantos impossíveis que se afogaram, como os nossos beijos escondidos. 

Submersão involuntária. Cadeia entre o ser e o retrato que fizeste de mim. Tento ouvir a voz, tão minha, que diz Porra! O problema não está em ti! Mas deves sentir que um sou a pedra que te acertou na cachimónia quando já estavas rasteiro. Só me resta imaginar, sofrer, penar, chorar, enraivecer-me com a vida e depois… voltar ao inicio. Processos de cura. Lutos. Como eu os conheço. Sem medo, portanto, é a conclusão do dia. Mais nenhuma se dirige a mim que estou cansada de lutar. Então, nadei todos os estilos e até uma mariposa que aterrada em mim, se demorou no meu dedo. Como sonhei nesse momento. Vieste-me a cabeça logo. E naqueles minutos acreditei em contos-de-fadas e em histórias de princesas outra vez. Ansiei de corpo e alma.

A verdade é que pegaste num foguetão e vieste ao meu encontro. Será que dá para andar para trás? Podia pôr no repeat até ao fim, até me cansar, até me enfastiar de ti. Mas não dá. Só dá para pôr no repeat a música, tão linda e perfeita. A que me fizeste, sem nome, sem letra, sem entrada e saída. Eu sei que me devia resignar a viver numa música contigo. Mas isso dói tanto, tanto, que é como se me arrancassem um pedaço.


...

Surrelismo


She: If things were different. If we lived in a place without duty... would you be with me?
He: That place does not exist.
She: I'll pretend it's you.

I have a good soul... although you closed your eyes to it


You're making me blue
All that you do
Seems unfair
You try not to hear
Turn a deaf ear
To my prayer
It seems you don't want to see
What you are doing to me
My arms are waiting to caress you
And to my heart they long to press you, sweet heart
My heart is sad and lonely
For you I sight
For you, dear, only


Why haven't you seen it?


I'm all for you
Body and soul
I spend my days in longing
And wondering why it's me you're wronging
I tell you I mean it
I'm all for you
Body and soul
I can't believe it
It´s hard to conceive it
That you'd turn away romance
Are you pretending?


It looks like the ending

Unless I could have one more change to prove, dear


My life a wreck you're making
You know I'm yours for just the taking
I'd gladly surrender
Myself to you
Body and soul
Life's dreary for me
Day's seem to be long as years
I've looked for the sun
But can see none
Through my tears
Your heart must be like a stone
To leave me like this alone
When you could make my life worth living
By taking what I'm set on giving, sweet heart
My heart is sad and lonely


For you I cry
For you, dear, only



I tell you I mean it
I'm all for you
Body and soul

16 setembro 2011

Difícil de aguentar


A verdade é difícil de aguentar? O tempo está encarregue de munir a forma como se alcança a verdade. Afirmativamente, hoje sei que a verdade reside dentro de nós mesmos. A grande maleita dos tempos que correm é que se anda à procura dela em sítios completamente desacertados. Reside por dentro do próprio.

Mas depois lá vem outra confusão. A das pessoas. O que é o próprio? Quem é esse próprio que sou eu e que busco a minha própria verdade? E como posso descobrir o próprio se a verdade do próprio ainda não foi descoberta?

Inicia-se um pensar, que vejo ser rejeitado pelos diferentes próprios. Os consultórios dos psicólogos enchem-se para o próprio dizer mal, queixar-se, esvaziar-se do outro, da imagem desse outro e até mesmo do cansaço que o outro lhe provoca. A descoberta de que um consultório de um psicólogo não serve para ser conivente com um sem fim de queixas sobre os outros, como o filho mimado que procura a mãe ou até o pai, para fazer queixinhas do mundo e ter um miminho e aprovação do estado de queixa infinita, é sempre um momento de grande verdade. O próprio vai assim escolher ou ficar com o psicólogo que o ajuda na descoberta dessa tão oprimida verdade, ou então desistir no sentido de ir embora dali, rapidamente, este gajo deve ter a mania que sabe o que é o mundo, zangado com a frustração de não se aceitar como ele próprio – alguém que tem queixas, mas incapaz de ter escolhas.

A incapacidade surge quando não se quer ver a verdade do próprio. Surge por outras vias. Mas essa é a mais usual dos dias que correm. Estranhos. O próprio é muitas vezes o estranho dentro dele mesmo. Vem a confusão e o conflito interno e a frustração. E se não sai… a doença mental. Às vezes, parece-me ter colegas de profissão que têm um medo terrível em utilizar a expressão.  Procuremos dicionários de Língua Portuguesa. Digo eu que ainda estou em negação do Novo Acordo Ortográfico. É que a doença é também um mal. E está mal não estar em verdade, está mal negá-la, está mal.

Mas, eu até sei que às vezes é impossível lá chegar. Por mais que nos esfreguem a verdade na cara. Aí… bem-haja aos que não nos deixam cair. 

Ana

Nothing to declare (on some Fucking Friday)


13 setembro 2011

Toma lá, dá cá


Pode ser o Fado Vadio, corridinho, as mulheres de xaile pelas costas e os homens de unhas compridas para dedilhar notas estridentes e velozes da guitarra portuguesa. Pode ser arisco, no lusco-fusco, dos cigarros que ali ainda se fumam, devagar, pelo canto da boca. Pode vir a preta cantar o Fado vadio, corrido, estampado nas caras pálidas dos brancos, suspirantes e aflitos. 

Toma lá, dá cá. E quem disse que não pode, então, o Fado Vadio, inquieto, desconcertante, malicioso, inteligente e popularucho, conceber um alvoroço pueril, feliz e prazenteiro? Toma lá, dá cá e não digas que vais daqui. As luzes ficam quase apagadas e não há pachorra para não sentir a voz dessa preta, imensamente gorda, com voz de anjo pagão. Oh pecado que entoas nos meus ouvidos!

Pode ser, assim, o Fado Vadio, que ouço em cima de mim, numa sala indistinta, cheia de pessoas curvas e sentidas. É o Fado Vadio, do toma lá, dá cá e mais não se pode dizer. É nesta agitação que se diz o que o coração sente, o que a mente mistura e atrapalha. Abanar as guitarras portuguesas, uma escura, a outra dura. Observam-se os dedos, recordam-se os outros. 

É uma dança, uma guerra aberta, nas melodias singulares de uma terra que não fora a minha por Deus não me ter dito antes que o Fado Vadio não pode parar. Pois se pára, tudo cai e o toma lá, dá cá ausenta-se por novas veredas. A acalmia dos rios sempre me aborreceu. E pessoas vestidas de panos claros e cores de Verão saloio, que fazem Férias dos sonhos, aleijam-me as vistinhas.

No Fado Vadio diz-se não me chateies que eu agora vou-me embora e espera-se que se responda do outro lado se vais, vai pela sombra que o sol está quente. É este toma lá, dá cá, maroto, que fala por palavras grosseiras e cheias de danação. Mas o Fado Vadio, que é expulso, ofendido, lascivo e arrogante, permite adivinhar nas entrelinhas a genuinidade das paixões que se teimam não assumir por de dentro do músculo central, vermelho e aquecido. 

Toma lá, dá cá! É que aí eu exclamo a brincadeira, expelindo risos compassivos e certeiros. Mas com olhos grandes e brilhantes. Os braços ficam fortes, agarrados à cintura da menina armada em dura, que na condição que concebeu se sente em bloqueio, num emudecimento infernal, negando o Fado Vadio, que lhe faz falta para continuar a prosa.

Ana Luísa Monteiro

11 setembro 2011

Faz parte


Abro a página. Posso torná-la o lugar de encontro, por excelência. Que riscar neste momento? O vento limpou a superfície. Por dentro, ainda jazem turbilhões – a saudade ressumada à mistura com o olhar fixo no infinito. Às vezes é estranho ficar em suspenso, mas não há forma de fugir.

A minha parte está feita. Resta uma quietude e perplexidade moída, como se tivesse corrido muitos quilómetros, assim descalça em cima de gravilha. Quem cai de joelhos, esfolha-os e depois arde. Não adianta tratar muito, por que vai sempre ficar uma marca. No entanto, um corpo sem marcas, assemelha-se a uma folha de alumínio – é fria. E não há frio que aguente um corpo que trabalha a toda a hora, não pára quieto, revira os lençóis da cama, atira-se contra as coisas e depois vêem-se pisaduras. É do sangue.

Não há outra maneira. Faz-se uns fumos e acalma-se o peito. Ou então, dança-se un petite peau, uma valsa violenta e num copo, que cai ao chão, retoma-se a perfeição do fio-de-prumo. Amanhã é dia de trabalho e todos os rodopios tombam na mesa do fim-de-semana sem cama, sem horas, sem responsabilidades em que se canta, de forma desafinada e se vê os desvairos dos outros. Deixo de me sentir sozinha na confusão.

É assim. Hoje é assim. Por que o suposto verão interminável espetou-se num muro e o jardim secou. Preparam-se invernos, até porque os dilúvios vieram ainda no estio informe e defeituoso. Restam memórias de sonhos afogados na banheira alva em que me afundo, já sem dores de costas, só por motivo de já só doer por dentro. A dor interna, real, forte, que já não é aguda. Faz parte.

08 setembro 2011

Excerto de Raiva


O desejo encolhe-se à medida que o drama sobe de tom. Estou zangadíssima. Afogo-me em garrafas de vinhos caros e penso viva o luxo! A luxúria repudia-me e não consigo de deixar de pensar em ti. Estou zangadíssima connosco. Obriguei-me a enfiar-me em livros à conta disto e agora desatino a escrever como o Pessoa, em pé. E só me apetece pôr pontos de exclamação nas frases todas que escrevo. Devia ser crime escolher não amar, não ser feliz. O defeito é do foram felizes para sempre. Nunca é assim. Há que reinventar o amor a cada segundo. Custa, muito mais quando se trata de alguém tão obstinado, como eu. Ou então, como tu.

O mistério adensa e ponho em causa a tua sanidade mental. Imagino entrar contigo no Magalhães Lemos e deixar-te lá, dizendo afirmativamente a tua loucura aos outros.  Todos encolheriam os ombros e diriam é uma pena. E eu ficaria assim resignada porque parece mal ter sentimentos puros e forte por uma pessoa com tal patologia mental – a Psicose. É que amar alguém que sofra de falta de carácter é comum neste País, sabes? E depois todos têm pena é de quem ama. O grave é que não te encaixo nem como louco, nem como alguém com carácter a menos.

Já se escreveu muito sobre situações assim, como a tua. Criam-se facções, partidos políticos e de repente esbarro-me entre Freud e Darwin. Por tua causa. Não estou nada contente e dói-me a cabeça de tanto pensar. Tudo ou nada, dizemos. Quem diz primeiro? Para mim és tu e com isso fico enjaulada numa coisa metálica e brilhante sem saída. Não há entradas? Há sim. Foi aquele olhar que pousaste sobre mim, naquela noite, com aquele frio nos meus ombros. Mas tu, não satisfeito com o meu ar assustado e giro, fizeste-me uma música. Não, pessoas como tu, tão básicas não fazem músicas assim. Plagiam-nas! Concluo que a plagiaste de mim. Por que eu é que sou a dama-aflita e meia suspirante e tal, que flutua sem pousar no chão. Eu é que esvoaço, qual Fada da Europa, única e irresistível, armada em mulher-fatal, mas que se ri histericamente ao contrário da aquela personagem do cruzar de pernas mais famoso do Mundo (que de resto imito na perfeição das minhas belas pernas).

Estou zangada contigo e comigo. Contigo porque não estás aqui, comigo por que nunca te digo estas coisas. Contigo, novamente, por que não me dás espaço para tas dizer e comigo por não ser como tu que, de repente me atiraste com a música para as mãos. E, já supões, que volto a estar zangada contigo por me fazeres uma coisa tão perfeita e comigo por ser essa mesma música – alguém que cai de quando a quando, apesar do ar de Fada, lá vem o Reininho que percebeu que por dentro dela há calor, uma alma.

Não choro por tua causa. Choro, às vezes, por ser assim – o Trágico! Não consigo aceitar como uma coisa tão boa, tão bonita, tão cheia de graça e insensatez pode ser tão trágica. Pois, meu Honeyboy, o drama começa em ti. O meu papel é dizê-lo. Há imperfeições e estou formatada para as anotar. Fui feita assim, por que tenho uma mãe que sempre me disse para eu ser a mais bela Fada do Universo, mas que nunca me esquecesse de amar logo pela manhã cedo. Começo sempre por mim. E é por isso que gostas de mim.

Tu silencias-me. Negas-me. Calas-me com a mania que sabes tudo. Desisto de te contrariar, mas faço escarninho de ti, o que te irrita solenemente, por que não é possível que eu tenha um pingo de razão. Isso tem de ser papel teu, não da menina que todos querem tocar. Mas volto, e rio-me ao ver que me mandas excertos da Wikipedia sobre temas de Psicologia. É sem dúvida uma arrogância tão descarada, que me embevece. E zanga, obviamente. És cheio de defeitos, credo! E eu continuo a gostar de ti. Mas estou terrivelmente zangada contigo que se pudesse batia-te com muita força.

Não queria ser a Fada que voou. Mas tu sopras e dizes Fica. Não queria que a nossa história fosse uma banalidade com cheiro a álcool e a pecado. Mas se tu não vens e me ouves e me vês e definitivamente me compreendes… é isso que nos vamos tornar. E eu não quero e recuso-me. E se for assim, por ou para ti, eu deixo já de gostar de ti e não escrevo mais livro nenhum e nunca mais bato palmas aos teus acordes.

TQM

Não me devia ter esquecido a caneta nem o bloco de folhas lisas. Podia até ter trazido o de linhas, mas esqueci. Resigno-me e agradeço as novas formas de estar. Posso guardar todas as palavras em mim, esperar e construir o caminho até puder extrair cada pensamento, colocá-lo em ordem e, assim, escrevê-lo. Continuo a acreditar que a escrita imortaliza ápices, vistas as contingências temporais. Tudo tem os dias contados. Os dias são ligeiros suspiros em que nos cimentamos pessoas.

E durante o dia vieram-me tantas ideias à cabeça, sempre com o mesmo fundo – tu. Sabias que nunca nos vimos à luz do sol? Parece existir sempre aquela tal luz amarela sobre nós. A nossa cor é assim – amarela, das luzes dos esverdeados lampiões da velha cidade do Porto, tão magnífica. Nunca tão rigorosas como nesta altura. Os relances destes olhos precipitados a reter tudo de uma vez, que raramente fixam um ponto, transportam-te para dentro de mim. Via anatómica que arrebata a massa cinzenta e escorre ao coração. Aos pulos, meu querido. Sei que às vezes também te falta o ar. Já mo disseste. Nem era preciso, eu sabia. Vê-se.

Às vezes, aparece-me um lado adolescente e fico sem ar do lado esquerdo. Mas se fosse uma questão de direito ou esquerdo, nem sequer tinha seguido para o lado Oriente da situação. Teria posto prego a fundo no salto alto, o mesmo do sobressalto, aquele que te surge quando proferes que sou a tua mulher. Essa que escreveria livros, em ambientes meio toscos, rodeada de gente intelectual que usa barba de vinte-e-tal dias. A que teria o teu sobrenome, reduzindo o seu próprio a uma existência em comunhão com aquilo que deveríamos ser. Também aquela que continuaria a escrever sobre ti, sobre nós, qual Musa e Fauno de mãos dadas. Mas as mãos têm de ter os dedos entrelaçados, se não nem parecemos nós. Cantigas ao meu ouvido, agora do meu lado esquerdo, aqueces-me por dentro, enquanto pousas a mão direita no meu ombro direito. Os lados têm muito que se lhe diga. Ligo-os às assimetrias, em que vivo e moro, procurando harmonizar as pontas, que têm sido agudas. Efeito de limagem que tu tens. Só eu sei.

Mas não é assim. Sou somente a fantástica miúda, de quem sentes saudades e te faz sorrir por dentro, silêncio. Sou aquela que sabes o nome e a história te assusta, por que no meio da minha força, indiscutível força, o olhar mais profundo é triste. Já reparaste em quantos pontos a nossa história se toca? No entanto, quantos de nós já não aprenderam a tocar piano? Recordo-me escreveres, de ti para mim, que te orgulhas de mim, lembro-me dizeres que comigo não há frases feitas, nem coisas banais, nem muito menos conversas de trazer por casa. Nomeias-me de algo fantástico, inesperado, bendita sorte que teimava em não aparecer e quando surge vem a más horas. Sabe bem e terrifica. É doce mas espeta espinhos no coração. Sim, os dois em lágrimas, perdidos num beijo que era o último. Dizes-me que não.

Não me queres perder e eu vejo os teus olhos dentro dos meus e sei que ficas aflito se ameaço ir-me embora. Rebentam bombas no meu peito e os braços ficam leves, tão sem força. As pernas, porém, caminham em frente, sem olhar para trás. Vou de sapatos vermelhos. Chorei desalmadamente. Por ti, por mim

Não vou. Eu fico. Como? Não sei. Porquê? É difícil, meu querido, ficar tão perto e ter de estar tão longe. A imaginação também me prega partidas. Depois.

Sim, devia ter trazido comigo o mesmo impulso de perder a razão, de me esquecer de fumar cigarros, de olhar para cima por ser aí que estão os teus olhos.
No vai e vem deste Verão de uma vida, acabei um livro, comecei outro. No meio lá apareces, ponho um pé no deserto e o outro num piano de alguém que não se liberta da sua mãe. Serei a mera espectadora de palavras afincadas numa folha. Mas sou também feita dos sonhos que perdeste beira-mar.

Sinto-me ridiculamente apaixonada por este sentir, enquanto a música surge no meio de duzentas e tal que trouxe. Não viria sem a música e tu já sabias isso. Fazes outra para mim, por favor? Esta chega e preenche-me, mas outra podia ser a de quem abraça a escritora famosa, todas as noites quentes de Verão interminável. A escritora reconhecida, que é tua camena de músicas que tudo sabem, e que escreve livros grossos, daqueles que se lêem em todo o lado, por que tu a seguras nos braços nas quentes noites de Verão interminável.

Na minha cabeça aparecem estes cenários. Não sou eu que os construo. Os cenários parecem já lá estar. Eu só os trago à primeira fila. Não vou ser idílica em demasia e afirmar o meant to be. Mas fico desconfiada! Só pela forma como imaginamos. Já não podem chegar situações do Matrix e do Senhor dos Anéis, por se terem tornado obsoletas, junto daquilo que fazemos para parar de pensar na tralha toda. Surges assim. Entramos de rompante, filmando uma realidade com paredes de ilusão, sentindo no peito que devia ser. Será que já nos tínhamos visto? Como é possível, meu querido?

Adolescência renovada, em duas caminhadas tão duras, tão tortas. Jamais te faria sofrer, pois a minha caneta só sabe desenhar letras gordas sobre ti, envolta numa paz tão brilhante que nos cega.  

Aqui somos!


15.08.2011
Ana Luísa Monteiro

O Deserto


Sabes qual é o problema de já ter percorrido o deserto? É reconhecer a água fresca como a coisa mais preciosa que a vida te pode dar.

Esta noite, este dia, entre estrelas e o sol nublado dormi como não dormia há anos. Ouvi a tua música entre os sonos e senti o nosso cheiro a cada segundo. De medida sem jeito, acabei por perceber o quão difícil isto vai tornar-se – a tua ausência, a minha própria ausência.

Já te disse que vivo no mundo dos sentidos. Analiso-os, dou-lhes forma de palavras, com todas a racionalizações e elucidações lógicas e organizadas. Tornaste o meu sem sentido à medida que nos inspiro. Tornaste o meu mais que sem sentido, mas porém o mais certo que podia permitir-me viver. Se calhar, ao contrário de que é nosso apanágio, existem verdades (internas) que acontecem apenas. Sem ter de haver uma razão absoluta.

Estaremos fora de horas? Ou estaremos fora de nós? Ou será que apenas encontramos a afinação perfeita, assim, só porque as vicissitudes da vida, mais cedo ou mais tarde o iriam ditar?

Questões a mais, preocupações que brotam de um coração que quer o teu… Entraste assim. És assim. E enquanto ouço as tuas teclas, sinto os teus dedos no meu corpo, apaixonando-me pelo momento que fizéssemos. E a seguir a isto, como deves já estar a imaginar, os meus braços tornam-se leves e apetece-me que me agarres com força, com o teu calor.

Reafirmo o quanto me encantas, por tudo o que me apontas e que vejo reflectido em ti. Gostava de conseguir transportar nas minhas palavras, o quanto me elevas à plenitude de ser mulher, de ser luz, de ser fêmea, de ser tua.

E repito, para mim, à medida que te ouço, que te ecoo nas minhas paredes e dentro de mim, não saber se algum dia poderei dar-te o que escrevo. Na música sem nome é mais fácil. Cada um pode fazer o seu texto. No que escrevo dou-me translúcida, com a minha racionalidade inteira e com a minha alma despida.

Já atravessei mais do que um deserto. Se foi a 55 ou a 66, eu não sei. Só sei que tais jornadas, como sabes, fazem crescer, ver mais além. E eu vi-te.

Meu querido.


O Beijo

Ana

Porto, 10 de Julho de 2011