29 outubro 2011

A MJ queria


A MJ queria que lhe falasse sobre o acto de abdicar. E eu lá lhe disse huumm. A MJ continuou e assertivamente baldeou, mas serenamente, compassiva, que acha que deve ser muito difícil. Ora, eu expliquei que sim. Muito difícil. Tenho, a propósito dela, pensado a cerca do altruísmo. E, como na minha vida é assim mesmo, lá me surge de fronte dos quatro-olhos alguém a dizer que esse aspecto, esse movimento é uma profunda forma de egoísmo.

É feio julgar as pessoas assentes em falsas premissas libertinas, como se fossem uma cambada de semi-deuses que tagarelam convicções irrefutáveis. Gostava de os ver conversar comigo. Possivelmente daria em gritos, por que, não tendo sempre razão, sou de natureza tão complexa que consigo pôr em causa até a mais brilhante cor. Já dizia, também, o Professor das ilusões que me mostrou as entranhas do Hospital Conde de Ferreira, que se pronunciava mirando os tectos altos daquele edifício fóssil e ardiloso, que é possível provar que cuecas às bolinhas amarelas podem desencadear vómitos derivados de mal-estar psíquico que depois se vai a ver melhor e afinal era tudo uma Depressão. Conhecem o efeito Stendhal? Pois bem, tem a ver com isto. A arte de observar gente de cuecas às bolinhas amarelas, por si só, já é determinantemente artística, para além de que tem uma beleza intolerável.


A MJ gosta de mim, tem-me respeito, mas preferimos dizer que se chama empatia. Não gostamos de dizer que gostamos uma da outra. Ela não é minha amiga. Faz-me as perguntas proibidas e sente que ainda não é hora de largar a mão. Engraçado como estamos de acordo. Eu vou respondendo, suspirando, contando os fundos onde me passeio. Confesso ter receio de a deixar ficar mal. É simples dizer o motivo disso. É que eu sei o quanto ela escreve sobre mim. Às vezes, faz em esquema e desenha setas e tudo. Ouve-se perfeitamente o riscar o Molesquine preto, sempre preto, com aquelas canetas magras e compridas, cinzentas e que escrevem a cor preta. Estão a ver? São essas mesmas. Não me recordo da marca. Mas só posso imaginar as marcas rabiscadas que elas esboçam sobre as minhas crónicas. Dou por mim a desejar apanhar aqueles cadernozinhos todos. É a curiosidade, a minha, que me faz sorrir. Acho-me piada. Sei o que é estar no lugar dela. Mas eu ainda me ponho de frente.

Depois lá vou eu. Mas ela guarda-me e depois pensa-me e a seguir discute-me com os outros que já sabem tudo. E eu faço o mesmo, mas sozinha. Relembra-me as brincadeiras e de facto nos sonhos a essência é a mesma, de uma exactidão que se espanta apesar de sempre ter sido assim. O acto de espanto é indivisível de quem sou e como vivo. A expressividade da minha cara e gestos, as interjeições que ponho em uso, definem quem poderei vir a ser enquanto escritora de histórias. Todos temos demasiados Alter Egos disfarçados de papiros que damos a ler a quem julgamos que nos conhece. Contudo, a MJ hoje sabe que eu me rio dos meus espantos, que outrora eram difíceis de aturar. Irra!  Foi uma jornada e peras. Mas valeu a pena. Vale a pena e assim deverá continuar.

É um desempenho que se pretende ser ininterrupto. Como a minha mascarada dislexia, que mal se vê, mas existe. Como a primeira tatuagem visível na pele. Mas eu e a MJ sabemos que um dia vamos chegar ao fim. E vai ser abrupto.

Vitória, vitória, acabou-se a história.

E toca a seguir sozinha, vagarosa, ignorando quem me chama e como quem come gomas a caminho de um sítio que nunca se viu.

Ana Luísa Monteiro

27 outubro 2011

Carta "rouge" de alguém que não é ela

(in http://www.sleeptrip.com)
a Asia escreveu e ela leu. as expectativas são uma valente merda! e não me lembrem que estou zangada. isto não é zanga. é estar a ver o Mundo ao contrário. é fazer o pino em suspenso! prometo e cumpro. (e agora deve vir alguém dizer que os pontos de exclamação são deselegantes. ai, juro que aí sim me zango a valer, porra)

23 outubro 2011

Agora


Não sei se os olhos estão bem fechados. Não sei o motivo de aperto no coração. Mas o que interessa agora são os olhos. Não percebo. Olhos pequenos, vermelhos, escorridos, brilhantes, inflamados e alérgicos. Nos sonhos tudo é mais fácil e falas sem parar. A saudade de te ouvir falar sem parar é algo que soa a estúpido. Mas é tão real que os músculos ficam retesados de tanto lutar para não ouvir a tua voz dentro dos meus ouvidos. Nem tampouco a música. Não sou capaz. Provoca-me um sentimento que não sei definir e fico perdida.

Os músculos estão tão duros que deixei de conseguir abraçar os outros. Cada vez que levanto o braço esquerdo, prende-me o pescoço e tenho forçosamente de me encolher. É uma dor aguda e quente, mas que rasga. Depois desce pelas minhas costas e aloja-se, ainda à esquerda, no fundo. Ainda estou morena. Ainda é o mesmo desenho. Ainda me sento da mesma maneira, no sofá.

Transfigura-se, assim, o que me vai por dentro. Preciso de me esticar. E tento. Constantemente. E quando o estiramento muscular é grande, quase roçando o resgate da violência… vem a dor aguda. Que ironia. Que tremenda ironia. Eu já sabia. Só não sabia que tudo seria violento.

Levanto-me e sento-me. Rolo na minha existência. Ouço as pessoas. Recolho-me a mim. Estou incapacitada de abraçar. É grave. Não ouço a música, que continua a surgir no meio de muitas. Que continua a ser. Mas não posso. E então, repuxa-me o trapézio e caio. Nos livros, na rua, na cama, nos abraços. E esses, esses últimos, agora não tem o meu nome. São os outros, só os outros os podem fazer. 

Agora.

era preciso virar a página
a que foi mal escrita
por força de gritos que
não eram nossos.

20 outubro 2011

Cito quem bem me apetece


OBLIVION, n. The state or condition in which the wicked cease from struggling and the dreary are at rest. Fame's eternal dumping ground. Cold storage for high hopes. A place where ambitious authors meet their works without pride and their betters without envy. A dormitory without an alarm clock.

The Devil's Dictionary

17 outubro 2011

santinho!


nunca me tinha apercebido que às vezes quando espirramos o pó dos livros que abrimos, aqueles que nos são estreitamente proibidos, ficamos de olhos pequeninos e brilhantes e depois levantamos âncoras e fugimos e refugiamo-nos ao canto, como fazem os gatos, assustados com o ralhete iminente depois de se terem metido em alhadas.




(não fui eu...)

14 outubro 2011

Panicando :)


Bem, não sei bem explicar como sobrevivi a esta semana, mantendo-me sempre em cima do salto alto. Houve de quase tudo. Avarias das máquinas, escolta policial, passar semáforos vermelhos, resmungos, reclamações, lágrimas, ataques de riso, cepas, abraços, fazer o pino em suspenso (um dia explico como é que isso se faz), telefonemas, medicamentos, testes, orçamentos, buzinas, recomendações e sirenes. E luzes! Muitas luzes.

Serviu essencialmente para me esfalfar, mas aplacar o peso que todos sentem do Orçamento de Estado para 2012. Questões políticas que levantam o topete contestatário, mas passivo-agressivo, dos lusitanos. Onde estão as palavras de ordem na rua? É amanhã? Parece que está alguma coisa agendada por aí…

Não sei bem como não caí do salto alto. Mas a verdade é que não caí e agora só resta fazer a manicure e estender a roupa. Talvez aspire a casa por dentro, porque por fora só já falta a manicure. As analogias, que não são o estudo da Ana Luísa, mas sim um socorro vulgar a interrogações e que também podem ajudar a arrepanhar palavras. Enalteço-me até nas desgraças, que têm escorrido que nem cascata ali do Gerês! Tenho uma mania irritante de me rir das desventuras. Mas não me tomem por trocista. Rio-me das minhas, a bandeiras despregadas, mas sempre depois de uma lágrima ou outra. As larachas voltaram. Como seria de esperar.




Mas agora, que ninguém me mace. Por que agora sim, estou em convalescença. 


09 outubro 2011

Mais valias

A internet é um sítio tão fenomenal que até é possível ouvir músicas com som da grafonola, tão antigas. 

Melhor seria divagar no tempo e sentar-me de espartilho de pano, já que o espartilho terno parece não querer desprender-se.

Chego à conclusão que sem música nada feito. Não há escritos para ninguém. Mais valia manter a conta no Youtube e calar a boca.

Domingos!
a inspiração vem do Pedro Mexia, andei a coscuvilhar o que ele diz

Anita (mas só por hoje)

08 outubro 2011

Tinta sonora de correr


Há dias em que acho que a vida devia ter uma banda sonora. Ou mais, devia ser um musical.
... 
Teria bem mais piada e hoje acho que de fundo escolheria um drum ‘n bass bem rápido, para ver se me solta da massa cinzenta as tintas de um sábado à noite. 
...
Marcação de ritmos, regras e leis dentro da cabeça. Nada como pôr o corpo a jeito e correr mais uma vez até fazer bolhas nos pés de princesa.
...


04 outubro 2011

No ON


Chega-se a casa, sapatos fora, mala no chão, gata ao colo, máquina de café no ON. Os registos ficam fora da porta, liga-se o computador, música no ON

Não se quer a musica alto de mais, não se quer ensurdecer o pensamento. Pensa-se em bifes de soja, legumes salteados, manga de faca e garfo. Planeia-se o banho, a roupa e afinal o verão está aí. Foram-se os casacos de outrora. Vestido curto e saltos altos. Sair de casa, deixar a Guiné em casa a ronronar ao som de Beirut por que se gosta de música Indie, embora se saia para ir ouvir outra coisa. Não pensar no Amor. Aliás, o objectivo é não pensar em nada.

Ela vai à procura de ausência de mediocridade. Não se sabe se algum dia encontrará. Começa a acreditar que não. Sente-se desajustada, apertada, pensa em descer do salto e adormecer no muro velho da baixa, ainda amarela, ainda quente. Ela gostava de não pensar no Amor, mas esse explode a cada esquina. Gente aos beijos, gente de mãos dadas, gente a discutir, mais vestidos curtos e saltos altos. O Amor está vivo e borbulha debaixo deste calor absurdo e fora de horas. Mas ela detesta coisas fora de horas.

Pontualmente, ela lembra-se que dos sonhos e promessas, que foram feitas debaixo de outra luz, esbranquiçada e sabe que derivou daí. Sabe-se forte, mais capaz por força da realidade que trás na pele. Tem tatuagens em demasia para uma pessoa só. No fundo, mas mesmo lá no fundo e por dentro, sem o defeito ela fica livre, mas estar partido às vezes é uma protecção da alma. Assim, premeia-se absolvição pelas asneiras cometidas e executadas nas vidas dos outros.

Encontra-se perfeitos estranhos que se sabem de onde e ri-se maliciosamente da pequenez do mundo. Olhares, sorrisos, ela está cansada e não liga a nada. Esses ápices de aliciação sabem-lhe a bílis, como uma azia de figadeira. Sim, ela sente tudo assim, visceral. Quando ela nasceu foram-lhe escritas cartas e eu sei o peso que isso tem nela – é imenso. Ela sente-se responsável e, logo, não pode pensar no Amor, por que o Amor está rápido. Como não deve ser. Dá conta que termina histórias a mais, com reticências gordas e ela detesta.

Depois dos martinis, cavaqueiras, cigarros, músicas, vai para casa, raramente sozinha. Eles vão sempre com ela. Eles e elas, não restem dúvidas. Subir ou não, a Guiné estará a ronronar à sua espera, no silêncio por que a bateria acabou. E ela sabe que tem de a recarregar. Porém (ela detesta poréns) o momento é de gatice, de olhar a brincadeira e render-se também. Só depois dorme sem saltos altos, sem vestidos curtos, para que se possa recarregar a bateria, desgastada dos afazeres da escrita, que encontra neles mesmos a inspiração para não deixar a prosa.

Sarcasmo

Experimente - vai valer a pena.