01 novembro 2011

Paredes altas


Encontrei um caderno antigo. Amputei as duas primeiras páginas. Ânsia de escrita, por ontem ter entrado numa sala com paredes pretas. Afigurei-me lá dentro contigo, os dedos impressos, deslizando parede abaixo. Os meus. Só se ouve a respiração, vêem-se gotas enormes, opiniosas e vastas, em número. Seguras-me, não me deixas cair nunca. Seguras-me até quando não sabes o que fazer comigo. Perguntas-me. Sou eu e só acrescento Podes fazer o que quiseres. Numa espiral, rodopio, nos muros quentes e fortes. Olho-te, suspiro, arrepanho o cabelo, o meu. Sorrio-te e aterro no sítio onde reinventas o meu nome vezes sem conta. Repito o teu, vezes sem conta. Caímos vezes sem conta. Entoamos nas gotículas que escorrem pelas costas abaixo.

Estremeções. Adocicados e quentes. Fortes, compassados. O meu nome aqui outra vez.

Certezas e tudo ampliado ao espanto do encaixe que parece já estar definido. Parece que havíamos sido inventados, afinados, pejados para as mãos do outro. Vice-versa.

Dentro de um lugar comum que não sabíamos. Fechados com uma tranca na porta, batom vermelho, tremor nas pernas, medo e as gargalhadas. Êxtase e perplexidade, dentro o Amor. Fora a estafa e o sorriso.

De repente, batem à porta. Não estás. Tenho saudades tuas. Não te vejo há muito tempo. Imagino que a tua mota não (mais) parou e que vais sem mim. Tenho medo de andar de mota, proporcional ao tamanho ostentado desse aparelho. Combato a saudade, abdicando do músculo, mas não controlo o impulso do Beijo. O primeiro – suave a abrir trilho, sabendo-se sem volta, sem ordem, impossível de não ser. As tuas mãos. Anatomia para certificar que era eu. Ou tu.

Minutos contados, porta fora. Não sei de ti, mas de mim. Saio da sala escura, sentando-me na tua cadeira, a que abandonaste por não teres sido chamado. Foste de mota, mas deixaste o capacete na sala e o casaco tombado na minha mesa.

Sabes? Nem preciso fechar os olhos. Vejo-te perfeitamente. Será que consegues fazer o mesmo? Ver-me de olhos abertos, parada à tua frente, ajoelhados de fronte com questões de resposta simples. Tudo certeiro.

Bateram à porta. Duplicado. O olhar fugiu para lá. A música caiu. O inexequível sem dias contados concretiza-se. Afinca-se nos segundos. Então, foste, sem o capacete e sem o casaco e serraste os olhos. O vento magoa. Eu tranco a porta.

Continua a saudade. A minha. Mas a música caiu. É insuportável ouvi-la cair. E acontece-se de quatro em quarto minutos. Vivo e morro. Iteração da queda. Não consigo. Então, fico aqui, banho as mãos e a cara. Sem batom, sem rímel, mas olheiras de não passar uma noite longe deste abismo dobrado que nos assiste.

O que vale é ter comigo, ainda, em todos os momentos, algo que te pertence, que sou eu, a que abdica de ti, sem me desamarrar, sem negação, sem ausência. Abnegação e liberdade. Tão distinto e tão mais nobre que a resignação que por momentos ponderei, tentando imaginar. Um borrão.

Abnegado e livre. Tal qual todas as vezes que te toquei.

1.11.11 (equals V)

Ana 

6 comentários:

  1. "(...) a que abandonaste por não teres sido chamado.".
    "(...) algo que te pertence, que sou eu, a que abdica de ti (...)".
    Sabes? Não queria ter-te conhecido agora...jamais a admiração, o Amor, o orgulho e a Confiança seriam os mesmos.
    Porque estou sempre...porque te sinto...porque me orgulhas...muito.

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  2. eu sei!! eu sei! mto bem :)

    mas e se fosse hoje, pq nao seria a mesma coisa? eu não murcho minha Mara! Jamais!

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  3. Porque ver-te crescer foi, é e será a melhor benção. Eu sei onde colocaste os pés...o que te arrancou pedaços, o que te doeu na pele e tudo aquilo que te fez sonhar. Obrigada por me permitires estar...

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  4. nem agradeças. fazes parte, de tudo. por isso... agradecimentos não são precisos. diz antes: "ai de ti que mudes, Fadinha do meu coração" :) Te amo!

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  5. :)* Thanks Fi! Eh pah, preciso é que assinem. Senão começam a ser anónimos em demasia. Depois até se pode fazer uma Leitores Anónimos (já deve haver)... Não nos metamos nisso, por favor! :p

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