26 novembro 2011

Eu também te escrevo cartas


- Ana Luísa, anda comer?
- Não, a menina quer ovos batidos no chão.
- A tia faz…
- Não quero. Tem de ser a Paula.

Era mais ou menos isto. Recordo-me perfeitamente. Os ovos batidos no chão. Vá-se lá saber porquê a nomenclatura que lhes dei. Nunca te vi pôr comida no chão. Havia de ter algum sentido, para a Ana Lu, a vossa menina, quem tanto aguardaram. O que vocês conseguiram foi dar-me uma carga de responsabilidade para o resto da vida. Aceito-a de bom grado. Acho que tenho correspondido àquilo que esperavam de mim.

Tu, Paula, esperaste demais. Esperaste que eu cumprisse o que sentes não ter cumprido. Muita coisa, está feita. E com certeza, edificarei muito mais daquilo que projectaste. Se vou conseguir ser escritora de verdade? Não sei. Tanta gente escreve. Mas vou tentar a sorte, trabalhando sobre os sentimentos. A mediação desses, como os sinto na alma. Sim, tens um dedo muito grande nisso. Ocorrem-me imagens que guardo e visito mais vezes do que possas imaginar. Mas ser a menina mais feliz do mundo? Ena, já fui. Já não posso ser. Sou mulher. A menina… olha, dançou.

Balão enorme, com bagos de arroz dentro, que faziam uma música perfeita, em casa da Avózinha, num dos nossos Domingos longos. Eram tão grandes os Domingos. Saias para namorar. Eu ficava com o teu irmão João, a Vera, a Ana Isabel (mais tarde o meu irmão). Eram as aventuras mais divertidas, engendradas pelo João. A Vera punha alguns limites, e ainda bem. Nós cumpríamos, compelidos nas peripécias desenhadas, sempre diferentes. Havia tanto mimo. Havia e há. Somos gente de uma capacidade incrível de elogio fácil a quem amamos. E nós, porra, que coisa invencível.Tornando, ao fim do dia, era tempo de ovos batidos no chão. Melhor desfecho, não podia ter. Garanto-te que sentia aquilo como triunfal. Sabes porquê? Sem saber, sem ter noção da adjectivação, da língua Portuguesa, sentia um orgulho enorme em ser a tua menina.

Lembro-me da praia de Nazaré. Do cheiro dos teus cremes, das tuas pinturas, dos teus colares e vestidos. Depois de tantos preparos, íamos pela rua. Eu não me separava dos meus óculos amarelos, casaquinho de ganga e a minha mão na tua. Consigo sentir aquela força, de criança de 4 anos, que caminhava com a certeza de não sei o quê.Mas era uma certeza. E era leve. Retenho tantas memórias. Sinto que é um dom recordar com tamanho viço esses tempos.

Mais arrojados eram os momentos nas ondas. Numa mão ias tu, na outra a Lili. Aprendi a saltar ondas enormes, com as duas. E oh que duas. Sabes o que é sentir que nada de mal me podia acontecer se pelo menos uma de vocês estivesse ali, na minha pele? Também levei com uma e cai. Só não fui mar adentro por estar lá o sempre atento António Vale da Cunha, meu Padrinho, mestre de peças de arte talhadas, corajoso ex-militar das Forças Armadas, benfiquista até ao tutano (tínhamos de discordar em alguma coisa), com uma afectividade de arrepiar. Bem-haja.

Mas o que mais me acode a alma, sem margem de erro, é o teu sorriso. É inesquecível. Coroava a silhueta graciosa com que te passeavas na vida, passando como se nada fosse. Agora ias de mão dada com a nossa menina. Devias ter aprendido tocar piano. Que mãos tão lindas. Como era que eu dizia? Qui lindo Paula, qui lindo.

Acode-me à alma esse desenhado. Sorriso tão puro, Paula. Tão meigo e forte. E às vezes irrito-me contigo, agora que já sou grande, por ter saudades da mão forte. Se calhar herdei-a. Tento dá-la à Marta, que não escreve mas pinta. Não te zangues tanto com ela. A Marta és tu e eu. Ela é que ainda não sabe bem como lidar com isso. Acho-lhe graça.

Por tudo isto e muito mais, principalmente as conversas intermináveis, as viagens de carro de um lado para o outro, reflexões, cartas e contos, sonhos e pesadelos, abraços e dores, risos e Natais… Podia escrever sem parar. O que nos falta viver mano a mano? Já perdemos tanto. Que terrível mania que os seres tem em ficar a olhar o que se perdeu. E o que ganhamos? Tu sabes isso? Posso exigir de ti? Não, não é tudo ou nada Paula. Sou eu que sou assim, exigente, não fosse eu filha da minha Mãe. Fibra, coragem! Ela diz. Vê-se nos seus olhos. Posso exigir de ti?

Paula, se eu tivesse um livro das pessoas da minha vida, tu estarias no topo da primeiríssima página. Sei que isto que digo é importante. Que tem dimensão. Por isso, reivindico de ti, no meio de tanta porcaria, principalmente desse diagnóstico que odeio, mas que é teu. Tenho de demandar que não deixes passar nem mais cinco minutos sem fazeres o exercício de perceber que se te orgulhas de mim a culpa também é tua. E pronto, viste? Há culpas bem porreiras.

O resto… digo-te num abraço.

Amo-te e agora também te escrevi uma carta.

Ana Lu

6 comentários:

  1. eu, sei que já tinhas descoberto o anónimo! menina esperta! mas olha para mim és e serás sempre a Menina dos meus olhos, o meu orgulho, aquela por quem tento que estar atenta para proteger por eu amo-te não fosses a filha da mãe que é a minha adorada e protectora tia Sãozinha(a minha história e a dela, são tão iguais à nossa!) meu Deus fizeste lembra-me de quem sou, obrigaste o meu coração bater mais depressa e encheste os meus olhos de lágrimas, lágrimas de alegria..... nunca te esqueças será a minha menina para todo o sempre!!!

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  2. bem, não era difícil.

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    só me ocorrem carroceis! não sei porquê!! mas é bom.

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  3. Está muito bonito, profundo, eu sempre soube que tu e a minha mãe se davam muito bem, mas nunca tinha ouvido falar nos "ovos batidos no chão", especialidade de dona Ana Paula.
    Está muito lindo, adorei ler. Escreves muito bem. :)

    A "Cherry", é a "Mimi", só para que saibas Aninha. :D

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  4. Minha querida Cherrie, de doce, eu sei que és a Mimi. Mimi que escreve tão bem. Mimi do meu coração, queres que eu te faça ovos batidos no chão? :)

    Não pares nunca, minha escritora de histórias. Mas sabes princesinha, acho que não precisas sempre de escrever baseando-te nos teus SIMS.

    Que tal começares a olhar à tua volta? Sem medo.

    Um beijinho da tua Aninha :)

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  5. Aninha, também escrevo sem ser com os sims, mas são coisas que não costumam ser publicadas na internet, são algo que guardo para mim e retratam por vezes sentimentos da minha vida...

    Talvez os publique, mas agora estou virada para escrever sobre sims desesperados... As histórias são histórias normais, apenas têm as ilustrções com os sims... :)

    E sim eu por acaso queria um ovinhos batidos no chão. ;)

    Um beijinho da "Cherry". :D

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  6. E sabes!!?? Vou fazer ovos batidos no chão para ti Mimi ;)

    Mil beijos da tua Ana

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