26 dezembro 2011

never tell


               

                Há coisas que simplesmente não se explicam. Por mais que se tente, deriva-se da atenção aos buracos que tem na estrada. Ouço vidas, retalhos de vidas. Nunca é igual e sei que há histórias que não podem ser contadas. Por mais que se esmiúce o miolo, não se chega lá, insistindo na incapacidade reprodutiva de afectos que apenas são. Não é como pôr os pés na areia da praia, quente e mar quase sem ondas, num final da Primavera. Não é como confessar promessas, marcando-as com olhos lânguidos de saudade imensa. Não é bom, nem é mau. A inépcia de contar algumas histórias não se escolhe. Acontece. Aos melhores contadores de histórias. Acontece aos piores contadores também, aqueles que dizem e pronto foi assim e ela agora está ali sentada e eu aqui sentado estou e estamos com uma história entalada nas mãos que nem sei onde a hei-de pousar. Bater-lhes é pouco. Matá-los é muito.
                Não falo de segredos. Isso é de caras. Todos os temos, todos estremecemos em pensar no que amontoamos. Enchem espaços. Uns vivem bem com isso, ignorando-os. Um dos meus segredos mais bem guardados é nunca revelar o que faço com os meus. Só posso partilhar que os cuido, delicadamente, ao invés do que pareço fazer com todo o resto.
                Falo sim de histórias que se respiram. Que não são a vida. Que não travam afazeres quotidianos típicos das listas seja do que for, até porque listas e guiões deixam de fazer sentido. Por desactualização negligente, sendo que a pior de todas é a que se tem sobre si mesmo. Mesmo assim continua a vida, seja de que forma for, com as histórias por dentro, trazidas na algibeira, feita de pele, que vai enrugando e, intumescida, não consegue descrever literalmente, impedindo que esse conto seja contado. Daí que existam prodigiosos letreiros não dactilografados, mensagens que não se enviam, cartas de amor sem remetente que se balanceiam em caixinhas bonitas e promessas que nunca se dizem.
                Essas histórias estão em todo o lado. Quem as tem? Acho que toda a gente de sangue vermelho, sangue quente, sangue rápido, as tem. E não as podem contar. Por impossibilidade de transpor minuciosamente o que elas acarretam – tanto, mas tanto, que não se podem pousar. Assim, permanecem, com plena firmeza, no ar, incertas de tudo e de nada, deixando espaços e tempos indefinidos à sua passagem martelada. Só se vêem gestos riscados em cima de qualquer coisa que dê – o chão, a mesa, o braço de alguém, um piano…
                Há histórias que por mais que se arrisque contar nunca vão ser ditas outra vez. Mas essas mesmas vivem infinitamente nas costas que seguraste, encontrando um pescoço magro e que sabia tão bem, sabia de sabor, que jamais a vais conseguir ceifar dos lábios, dos dedos, dos teus olhos. A resignação volta e impele a uma saudade imensurável que nem sei se dói ou se aquece. Só sei que não dá para contar. Aquilo não se conta. É.

Ana

2 comentários:

  1. há histórias que não vale a pena contar, só nos lembram o queremos esquecer, então é melhor esquecer que existiram.

    pronto já disse!

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  2. Bem, pareces a Paula. Como ninguém assina nao consigo ter certezas. Mas pareces a Paula. Estás cansada. Eu sei... Estas cansada e queres esquecer. Mas eu falei de historias que nao se conseguem contar. Embora sejam essas que valham mais a pena. As irrepetiveis!! Por isso, é ao contrario. Estas cansada e lês-me de coração apertado. Acabas por ler o que queres dizer e nao dizes. Diz ao Mundo de uma vez! Ajuda qq coisinha :) é que esquecer é arrancar bocados de nós. Nao esqueças. Diz!

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