Havia um homem
que roubava sorrisos. Era malvado. Fazia de tudo para roubar os sorrisos, apagando-os
dos rostos a todo o custo. Propunha-se mentir, ludibriar, simulando o seu
próprio sorriso. Esse último nem podia ser chamado sorriso. Era feito dos
sorrisos que havia furtado aos outros, através das suas maquiavélicas
artimanhas. Era muito vil, esse homem. Não tinha coração. Muito menos alma. No lugar
disso tudo havia um logro dele próprio. Uma embustice onde morava, escura como breu
e que lhe fazia sentir que tinha o direito de roubar, assim, sem mais nem
menos, os sorrisos alheios. A chatice era que realmente esse ignóbil homem era
capaz.
Mas, até por que
há sempre um mas, havia um sorriso, pertencente a um rosto tão eloquente, tão autêntico,
que ele não pode usurpar. Não tinha sido capaz e ele bem que se esforçou. Esse sorriso
impenetrável não podia ser extinto. Ás vezes, podia até parecer um sorriso às três
pancadas. Mas mesmo assim, ele iluminava-se e passava a ser um sorriso aos
quatro cantos do mundo. Existia com tamanha certeza e tudo o que fosse usado
contra esse sorriso só tinha um termo – perder.
Mas o homem sórdido
não ia desistir. Sempre que o sorriso aparecia, ele murchava, ficando pequeno,
pequenino, fugidio, adeus. Apesar disso
a insistência era tamanha que, quando o sorriso descansava naquele semblante,
com olhos reentrantes, ele sorria, pensando que tinha conseguido a usurpação finalmente.
Apagar o que
mais o incomodava, significava arrastar para o seu buraco negro a força de alguém
que podia ser livre de percursos que os outros não tinham conseguido fugir –
este agoirento homem vil, nomeadamente. E este desenho dos lábios, pintados,
por pintar, pouco interessa, era feito de meneios de torção à esquerda, cheio
de agilidade e penetrante. Não desaparecia. Descansava, nunca mais de cinco
minutos. E pois, assim posto, assim visto, várias vezes, o homem vil,
coitadinho, tinha de se ir, como fumo no ar, deixando cheiro a derrota, numa
guerra que só ele encetou e insiste.
O homem vil, coitadinho – pensava o que
por detrás existia, por trás do sorriso não extinto.
E esta pequena
estória é de se contar aos catraios antes de adormecerem. Não nestes moldes,
claro está. Coloquem-se as personagens, as princesas, os magos, os dragões, os reis.
Mas não esquecer que o homem vil vai sempre perder ante o sorriso inquebrável. Não
se tenha dúvidas.
Ana Luísa Monteiro
Ana Luísa Monteiro
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