02 dezembro 2011

reinventar e contar às crianças.


Havia um homem que roubava sorrisos. Era malvado. Fazia de tudo para roubar os sorrisos, apagando-os dos rostos a todo o custo. Propunha-se mentir, ludibriar, simulando o seu próprio sorriso. Esse último nem podia ser chamado sorriso. Era feito dos sorrisos que havia furtado aos outros, através das suas maquiavélicas artimanhas. Era muito vil, esse homem. Não tinha coração. Muito menos alma. No lugar disso tudo havia um logro dele próprio. Uma embustice onde morava, escura como breu e que lhe fazia sentir que tinha o direito de roubar, assim, sem mais nem menos, os sorrisos alheios. A chatice era que realmente esse ignóbil homem era capaz. 

Mas, até por que há sempre um mas, havia um sorriso, pertencente a um rosto tão eloquente, tão autêntico, que ele não pode usurpar. Não tinha sido capaz e ele bem que se esforçou. Esse sorriso impenetrável não podia ser extinto. Ás vezes, podia até parecer um sorriso às três pancadas. Mas mesmo assim, ele iluminava-se e passava a ser um sorriso aos quatro cantos do mundo. Existia com tamanha certeza e tudo o que fosse usado contra esse sorriso só tinha um termo – perder.
Mas o homem sórdido não ia desistir. Sempre que o sorriso aparecia, ele murchava, ficando pequeno, pequenino, fugidio, adeus. Apesar disso a insistência era tamanha que, quando o sorriso descansava naquele semblante, com olhos reentrantes, ele sorria, pensando que tinha conseguido a usurpação finalmente. 

Apagar o que mais o incomodava, significava arrastar para o seu buraco negro a força de alguém que podia ser livre de percursos que os outros não tinham conseguido fugir – este agoirento homem vil, nomeadamente. E este desenho dos lábios, pintados, por pintar, pouco interessa, era feito de meneios de torção à esquerda, cheio de agilidade e penetrante. Não desaparecia. Descansava, nunca mais de cinco minutos. E pois, assim posto, assim visto, várias vezes, o homem vil, coitadinho, tinha de se ir, como fumo no ar, deixando cheiro a derrota, numa guerra que só ele encetou e insiste.

O homem vil, coitadinho – pensava o que por detrás existia, por trás do sorriso não extinto. 

E esta pequena estória é de se contar aos catraios antes de adormecerem. Não nestes moldes, claro está. Coloquem-se as personagens, as princesas, os magos, os dragões, os reis. Mas não esquecer que o homem vil vai sempre perder ante o sorriso inquebrável. Não se tenha dúvidas.

Ana Luísa Monteiro

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