08 janeiro 2012

ela dizia


Ela dizia-me baixinho que tinha saudades dele. Ela dizia-me, de olhos desolados, que precisava, todos os dias, de exalar reentrâncias para pensar. Só sabia que queria, mais do que tudo, cauterizar o coração dilacerado. Ou ambos. Corações. O imago recluso da boca incapaz de articular um olá descuidado, não permitia que ela pudesse agarrar-lhe pela mão e desfalecer-se em verdade do que mudou a direcção. Ela dizia-me que lhe tinha custado não o prender nos olhos, repetindo o que carece repetir, serenamente. Ela dizia-me e eu ouvia, arrendando a sua dor como se fosse minha. Aí eu afirmava-lhe, segurando a sua mão magra, que eles estavam presos por coisas que não se vêem. Sentem-se.

Ela voltava a dizer que só precisava de uma brecha. Pequena que fosse. Que depois disso sabia bem o que fazer para limar as arestas magoadas. Ela dizia que não queria ser como dantes. Só por lhe custar os portes. Ela achava que ele não sabia que foi por isso que dele abdicou, vezes sem conta. Mas ela abdicava sem quer perder tudo. Ela afirmava-me que não era preciso tudo. Podia ficar alguma coisa, por mais que tal coisa indefinida e aguada não substituísse o desejo. Aí eu repetia o que eu vejo. E tinha de lhe dizer que é muito custoso por haver rastos e rasgos visíveis daquilo que havia dito que não se vê.

Ela retorquia, sempre, que tinha saudades dele e que precisava de uma fenda minúscula para voltar a abraçá-lo em paz, à noite, com ou sem ele. E eu aí já não lhe disse mais nada.

Ana

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