Tenho de te
escrever, de alguma maneira e ainda incrédula.
Ouvi os meus
telefones tocar ao mesmo tempo, numa sinfonia estridente que me despertou do
pesadelo precoce, deitado no sofá. Almofada vermelha. Atendi o que estava mais
perto. Mas eu já sabia. É notável como as fracções contam – ouvir, despertar,
saber e esvaziar por dentro. Depois é o processo, que não pára. Mil e uma
voltas sobre o assunto. Nada resolve. Agarro as memórias.
A última:
sentir-te e dizer que te amo e tornar a sentir-te. Antes: o copo de água fresca
e a certeza que passamos a vida a querer coisas inúteis quando temos tudo.
Antes ainda: que estás com medo e mo dizes para que eu seja eloquente, como o
costume e como tu. Mais um passo atrás, naqueles minutos: eu vou envelhecer,
agora sem que tu me digas como fazer para saltar as ondas. Um ano atrás: aquela
conversa que só as duas sabemos, o que foi dito e sentido, o que me disseste e
que só tu podias dizer, por que eu repeti nos meus olhos e lábios a tua mesma
história.
No meu conto de
fadas, no traçado que vou compondo (e que afinal descubro que não é assim tão
distante do que defini) lembro-me sempre de ti. Desde sempre. Já tantas vezes
falei em tatuagens. Mas nunca falei em escrever com as duas mãos. A
inteligência e a destreza coroaram sempre a tua bela cabeça, essa tua cara, de
nariz empinado, olhos fortes e sorriso aberto. Sim, também nunca percebi muito
bem por que é que os narizes empinados são tão mal vistos. No entanto, ninguém
o empina como nós. Amarrotamos a modéstia, pois essa não caberá entre mulheres
que sabem o que estão a fazer. Isso chateia, mas é mesmo assim. Para onde
vamos? Já sei há muito que vamos à praia e levamos sandes magníficas. Vamos
àquela festa, bem vestidas, adornadas, cheirosas. Tudo no seu lugar e vamos dar
um abraço e as tuas mãos vão acarinhar o meu rosto sempre que precisas de me
mostrar o quanto sou linda debaixo do teu olhar exigente, ferrando a língua a
olhar-me nos olhos.
Já se percebe
que herdei o que era preciso. E é nesse espólio que suporto a tua ida. Desculpa
ainda não acreditar. Talvez nunca acredite. Sinto, somente que jamais partes. Há
pessoas que guardamos num bolso, num baú, num saco. A ti, guardo-te nos passos
que dou, os mesmos que têm todas aquelas preciosas dicas de quem se passeia sem
pousar no chão – tu, meu amor.
O resto não
digo, não escrevo. Obrigada, mas é só nosso.
Até logo, Lili.