28 maio 2012

Elisa

Tenho de te escrever, de alguma maneira e ainda incrédula.

Ouvi os meus telefones tocar ao mesmo tempo, numa sinfonia estridente que me despertou do pesadelo precoce, deitado no sofá. Almofada vermelha. Atendi o que estava mais perto. Mas eu já sabia. É notável como as fracções contam – ouvir, despertar, saber e esvaziar por dentro. Depois é o processo, que não pára. Mil e uma voltas sobre o assunto. Nada resolve. Agarro as memórias.

A última: sentir-te e dizer que te amo e tornar a sentir-te. Antes: o copo de água fresca e a certeza que passamos a vida a querer coisas inúteis quando temos tudo. Antes ainda: que estás com medo e mo dizes para que eu seja eloquente, como o costume e como tu. Mais um passo atrás, naqueles minutos: eu vou envelhecer, agora sem que tu me digas como fazer para saltar as ondas. Um ano atrás: aquela conversa que só as duas sabemos, o que foi dito e sentido, o que me disseste e que só tu podias dizer, por que eu repeti nos meus olhos e lábios a tua mesma história. 

No meu conto de fadas, no traçado que vou compondo (e que afinal descubro que não é assim tão distante do que defini) lembro-me sempre de ti. Desde sempre. Já tantas vezes falei em tatuagens. Mas nunca falei em escrever com as duas mãos. A inteligência e a destreza coroaram sempre a tua bela cabeça, essa tua cara, de nariz empinado, olhos fortes e sorriso aberto. Sim, também nunca percebi muito bem por que é que os narizes empinados são tão mal vistos. No entanto, ninguém o empina como nós. Amarrotamos a modéstia, pois essa não caberá entre mulheres que sabem o que estão a fazer. Isso chateia, mas é mesmo assim. Para onde vamos? Já sei há muito que vamos à praia e levamos sandes magníficas. Vamos àquela festa, bem vestidas, adornadas, cheirosas. Tudo no seu lugar e vamos dar um abraço e as tuas mãos vão acarinhar o meu rosto sempre que precisas de me mostrar o quanto sou linda debaixo do teu olhar exigente, ferrando a língua a olhar-me nos olhos. 

Já se percebe que herdei o que era preciso. E é nesse espólio que suporto a tua ida. Desculpa ainda não acreditar. Talvez nunca acredite. Sinto, somente que jamais partes. Há pessoas que guardamos num bolso, num baú, num saco. A ti, guardo-te nos passos que dou, os mesmos que têm todas aquelas preciosas dicas de quem se passeia sem pousar no chão – tu, meu amor.

O resto não digo, não escrevo. Obrigada, mas é só nosso.

Até logo, Lili.

1 comentário:

  1. não sei viver de outra forma. a minha vida baseia-se na família e por isso somos tantos, somos tão grandes! Vivemos uns com os outros e a vida de todos. Sofremos, amamos e nunca estamos a espera que nenhum de nós parta.
    não há despedidas definitivas, apenas e só até logo.

    escrevi te uma carta no dia em que nasceste!.

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