02 junho 2012

beijos

Há mais beijos do que expressões faciais. O valor do beijo é inumerável, nunca ficando por esgotar. O beijo é o gesto profundo. Os olhos estão para o espelhar da alma como o beijo está para a fisionomia do revérbero que se toma nessa imagem. Daí que são tantos os beijos – as formas, as cadências, as intensidades – conquistando o lugar certo, o momento errado, atingindo alvos de afeição, a mesma da simbiose, do jeito, do amor e do tem-de-ser.
 
Como quer que seja, o beijo transforma sempre quem une, numa troca de qualquer coisa e é impassível de fingimento. Não se engana num beijo atirado, somente por que não se mente com a boca, mas com o nariz, que vem estragar tudo, que vem permear a distância à face e suas partes constitutivas. Mas relembra-se que o todo é mais do que a soma das partes e estas são as impressões digitais, expoente máximo do tempo de cada um. E, voltando, mente-se com o nariz e com a garganta. Culpam-se bocas e depois recusam-se beijos. Sentenceiam-se lábios e denuncia-se a mente mentirosa, indubitavelmente, nos beijos de esguelha, amarelos e sem açúcar, pimenta ou contorno.

Assim, os beijos são fáceis, quando se arpoam os rebentos intervenientes nas convicções vítreas do que se trás nas mãos fechadas. São difíceis quando se teme ou se despede de alguém. Os beijos são palavras conjugadas em dissertações sobre temas variados, pousados no mesmo pano de fundo, que é uma raiz emaranhada em somas exactamente subjectivas. Sempre sem certezas e de certeza que nalgum dos beijos dados houve medo, mas muito mais se acumula nos que ainda não se deram.

Os beijos originam e estão na base, esculpindo moratórias de encontros. Os beijos dão-se de forma dualista, criam um par infrangível, esperando tacitamente um reencontro apaziguado com os mais fundos objectos de desejo, esses pergaminhos que forram as paredes da existência, tantas vezes comodistas. Aí tudo se deturpa. Só que não me agrada pensar nesses. Como tudo o que corrompe é temática ultrapassada nos meus dedos. Só por que me cansa. 

Os beijos, esses, não cansam, não vêem, por serem muitos e inconstantes. Vêm de dentro e só já não são cegos quando são já não se podem suportar. Tornam-se estranhos.

Pois podia não parar de inventariar coisas de beijos, grandes, pequenos, rápidos, demorados, molhados, duros, de adeus e até logo. É um tema espaçoso que me cose nos braços uma ideia ideada a tons de azul, de que vivemos tão mais em função dos beijos – dados, não acontecidos, impossíveis, roubados e repetidos – do que era possível antes de me votar ao pensamento (boa dica, boa ideia, por isso pega lá um beijo). Afinal nunca os riscamos da relação que tecemos, devagar, em mergulhos do mais interiormente factível, para fora e só depois para o outro. Sem ver.

Lu

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