30 setembro 2012

dentro da super-supernova


Era uma garrafa onde cabia muito mais que estados liquefeitos, de cores mediamente diáfanas, afiguradas e espessadas em sabores decorosamente dulcificados, a parecer bem. Era mais do que a garrafa e os seus portes fluidos, lúbricos e licorosos.


Não seria apenas pelo gargalo que lhe tocam por dentro. Muito antes alguém terá tido a dedicação suficiente e de precisão cirúrgica, que levou a tamanha perfeição de estado de coisa doce, invariável e exemplar.

Mas pois que restava aquela imagem, incólume, de rectidão, da mais suave perfeição.

Porém, ali fechada, qual coisa de diamante já talhado, não resta senão permanecer na quietude escondida da deflagração do vórtice caótico, naquela atalaia de inquietude atípica e excessiva, que dá luz.

Sem conluios que se vejam, impedindo um termo certo. Só infinitos desmaios e golpes de raiz. Cair de pé. 

17 setembro 2012

reflexo

a memória compõe-se de estilhaços de vidro que já não se vêem. sentem-se.

é difícil, senão até impossível, ser-se dono de um vidro límpido, mondado e que possa reflectir uma imagem contornada como um sólido. há sempre algum risco no vidro. há sempre qualquer coisa a atrapalhar a perfeição.

na mente, tudo isto se torna caleidoscópico. não é, então, magnífica a cura, temporal, lenta e indecifrável, daqueles cortes nas mãos, feitos nos riscos do vidro estilhaçado que se permitiu partir?

só vejo infinitos caminhos saírem dai. e isso, apesar de tudo, agrada-me.



13 setembro 2012

azáfama silenciada


Já era de dia. Havia ali uma azáfama fora do que era norma.

A norma. Coisa atulhada de régios pedaços limitativos. Não necessariamente odienta. No entanto, faz existir a necessidade de um desengano.

Tinha chegado, vestida de cor sólida. Preto. Não era hábito chegar a lado nenhum sem pentear o cabelo. Estava, porém, cansada e não se lhe acudiu à memória que devesse pentear o cabelo. Era como se retornasse não a casa – retornava à cama.
           
A cama. Lugar onde as pessoas dormem. Lugar do sonho e do pesadelo. Locus de controlo e descontrolo. Palco do amor, sexo e tragédia. Retiro vago, por vezes, até mesmo quando partilhada.

Lá a esperavam as pessoas que haviam sido, outrora, as pessoas do costume. Só que, naquele dia de manhã azafamada, as pessoas que dantes eram as pessoas do costume, estavam velhas, enrugadas, gastas. Estavam também elas de preto.  

Estar de preto, geralmente, está associado a um Luto. Esse, por sua vez, começa depois da morte. Associado à perda, onde seguidamente se processa um desligar, por sistema, vagaroso e doloroso.

As pessoas do costume estavam afónicas. Mas havia ali uma azáfama, um corre-corre lacerado. Eram as pessoas. De preto e afónicas. Em luto e sem voz que pudesse extravasar os seus gritos. Os risos.

A voz que conduz a paixão. Frémito no corpo. Tremeliques, impossibilitados por falta de ar, da perda.

Embalava-se nas palavras de humanistas desaproveitados e afastados. Ouvia uma entoada. Assim,

            O que lhe fizeram ao País. Ele tem tanta pena. O País.

E de repente, era de noite. E depois, já era de dia. Outro dia. E ainda havia muita azáfama enroupada a preto.

05 setembro 2012

desculpem. vou-me retirar para montanhas de palavras

henry miller. um que escrevia.

eu e ele. dois que escrevem. pouco e tanto tempo.

se o tempo muda? não sei. sei que eu e ele nos encontramos no tempo um do outro. seja um findo mês e pico. seja um curto suspiro de 44 dias.

vou-me à leitura. fico próxima.




Ana