30 novembro 2012

coisas pequenas

não seria assim o começo. falava da primeira impressão e de pequenos grãos de areia, chão de madeira e envernizamentos riscados.

estava a dizer isso. a ordem não importa. só servia para concluir coisas pequenas e sombras que não passam de pontos caducos de aspectos que afinal não estão ali. talvez mais adiante. questões de perspectiva sobre vultos impalpáveis.

hoje não há palavras que me agradem. nem tampouco reverberações emocionais.

só pequenos riscos, de pequenos grãos de areia, num chão de madeira envernizada.

mas, como diz o filme: "sand is overrated. it's just tiny little rocks."


22 novembro 2012

de-S.A.-bafos

sei a minha língua. não preciso de mais nenhuma que me decore a cabeça com QI's produzidos à martelada. de igual forma, não ando à procura de nenhuns poços de conhecimento, onde possa bebericar papiros borbulhantes de uma paz dita e que não se vive. a vida deixa de estar em curso quando se nega que a ausência de luz é muito mais do que uma escuridão peremptória e realista. o que quero dizer, nesta minha maneira rocambolesca de escrever, é que o vazio não se coaduna de ausências. e quando negado, ajusta auto-mentiras proclamadas como sentenças. o vazio, experiência do buraco negro (como autores da psicanálise o referem), compõe-se de diferentes prateleiras, gavetas e guiões, que, sem se contar, já não servem de nada. fica-se com nada, enquanto tudo permanece ali alinhado e exposto. há, indubitavelmente, uma transmutação impossível de adiar. as pessoas aparecem cobertas de um espesso nevoeiro, toscas, fuscas e atrasadas. no tempo, claro. esse conceito operante improrrogável, com qual se brinca, tacteando a possibilidade de haver dois tempos num só. o tempo não é a música. é antes uma peça de teatro.


19 novembro 2012

quase com título

Se calhar

Foi por um triz! Ufa, foi por uma nesga que

Tudo se ficou por ser nada
Nada ficou por ser dito
O dito não importou longas metragens
As longas metragens não foram queimadas num incêndio
Um incêndio não deflagrou na casa
A casa ficou na mesma do avesso
O avesso não passou de uma ilusão
A ilusão não se tornou num estado ilícito.

Tudo ficou quieto.

Calma!

Foi apenas uma ideia. E essa foi por um triz.


17 novembro 2012

agora já não podes

sentir fome. não querer comer. ter a certeza de que se está com fome. escolher não comer.

deixar por preencher.

já se sabe o sabor de tudo. não se aporta desejos cor-de-rosa que sejam passíveis de satisfação, já se provou tudo. paletes de cores e texturas.

escolhe-se não repetir nada. afinal de contas, comer é seguido de digestão. e tudo se esvai em merda. tudo tem o mesmo fim.

desaparecer. não te tornar a ver. não te cravar um cigarro. não sentir a tua mão.

tenho saudades tuas. choro tantas vezes por ter saudades tuas.

estivemos lá. já nada importava. só a nossa sede. a mesma que se nega numa estupidez qualquer que proferimos para nos pudermos rir.

não ouço o teu riso. no entanto, é meu.

"pareces ela."

e és minha. mais do que eu fui tua porque nunca te fiz um chá na minha cafeteira. só te cravei cigarros, as mãos e suguei-te palavras.

comemos camarões. sandes com maionese. até isso te pedi.

tenho saudades tuas.

do teu cabelo. da peruca. das tuas unhas e do teu fio. todas temos um fio. não ponho o meu há tanto tempo.

precisava muito de falar contigo. porra, não podes. já não te roubo o tempo. ele é que te roubou de mim.

não te guardo. só por um motivo.

"parecias ela, agora... a rir-te!"

09 novembro 2012

desculpem mas eu gosto de honrar as minhas palavras



Ouço.
Leio por aí.
As palavras não são importantes.

Chavões, sustentáculos, postes da intrujice,essa que anda aí deliciada pelas ruas, sempre de vestidinho colorido. A vaca até cruza as pernas e fuma de boquilha. Seduz homens e mulheres. Conquista cães sem dono, macacos amestrados, leões de coleira e trela. Alicia cabras montanhesas, gatas tresmalhadas, galinhas emproadas. Não quer saber. Não interessa. Não tem escrúpulos. Tenho de dizer isto: é duma laia! (favor ler com entoação de como que vai dizer: é duma laia que nem as putas).

As palavras não são importantes por que as pessoas precisam de engodos, de castros e de frestas onde se meterem. Questiono-me sempre sobre esta coisa toda que é o embuste, o engano, a qualidade falseada das palavras. Questiono-me e oponho-me. Revolto-me, atiro-me ao chão, levanto-me de mãos esfoladas, cheia de negras nas pernas. Sinto-me alienada quando percebo que as palavras não são importantes. Sinto-me fora de mim, fora da pele, fora da casca. Sinto-me ferver. E piora, com o tempo piora. O tempo que não ajuda a sarar, só soma. 

É que eu sou palavras soltas no Tempo.

… e por tal, às vezes sinto-me um asno!

08 novembro 2012

roldanas



Roldanas e encaixes
Giros em círculos perfeitos
Sem desgaste corpóreo
Que se afigure possível
Só nos olhos.

Espelhos da alma
Que fitam ares aéreos
Etéreos.

Mãos, nas mãos
A segurar dedais
Empecilhos insubstituíveis
Impossíveis de repetir
O que já foi, lá está.

Nada muda,
Altera, cambia
E são sinónimos.

A dar de mão beijada
Entregas em bandejas prateadas
De um oiro branco
Cheio de dedadas,
Marcas por limpar.

Pois há aquilo
Que não se limpa,
Não aclara.

Retorna de repente
Com demoradas expectativas
Na salva,
Gratuito e brindado
Sem dó nem piedade.

Cai nas rodas
Das roldanas repisadas,
A espalhar fumo.


Ana

02 novembro 2012

A ser velha

Eu hei-de ser velha e poder dizer tudo aquilo que se passou. Eu hei-de ser velha como um tronco alto e enrugado, que fica de pé, sozinho, parecendo inerte, mas que transporta a densidade de milhares anos. Hei-de ser velha e contar histórias e fazer doces de Natal para a descendência, que me acariciará as rugas das mãos, da face e o cabelo branco, sentido as palavras e os conselhos. E assim, eu hei-de ser velha, sem medo, com o frio entalado nos ossos e as costas dobradas. Talvez use um puxo no cabelo. Talvez o corte pequeno. Porque no fim não se deve sentir cansaço. Só uma paz obliteradora que faça sentir que valeu a pena. Aí reside a imortalidade pessoal e intransmissível de não ter estado jamais ausente.

A Laurinda Pinto.