Numa ausência inesperada
Feita de impossíveis toques
Mais afagos alinhados
Do que pudera conter nos passos.
Não é a chuva passada
Muito menos a curva redonda
Sem ponteiros a agarrar
Nada há que se possa ter.
Mas já o mote infinito
Escrito nos olhos inocentes
Votados num espaço largo
Onde se mira o nada feito.
Reter manias idealistas
Num aspirar a voz tão perto
Edifício com cinco pontas
Que prende a luz presente.
Com mais pedras debaixo
Das pernas
Dos pés
Tenho saudade imensa.
De quê?
Não sei.
Nunca vi.
28 junho 2012
26 junho 2012
essas fadas
Ela também tem
um vestido vermelho. E esse tal vestido vermelho roda da mesma forma.
Talvez mais alto. Não será importante a altura de onde se atiram. Apenas se
aponta o tempo que corre lado a lado, paulatinamente. Perdem-se os rodeados movimentos
em torno de um centro não palpável, de forma totalitária, que é como quem diz
com as mãos. Os olhos tocam-se ao de leve e no franzir-a-face existe aquela humanidade imensa. Reconheceu-a de
imediato, lugar que apelida de a sua casa,
abraçando a singularidade de uma fortuna que tem de nomear de pertença.
Sabe-lhe o riso
de cor e salteado. Foi ideia sua. Conhece-a do interior dos fios do cabelo
longo e feliz. Tem as marcas ali todas e assina o punho firme de uma
invencibilidade estonteante, que lhe permite ser mais penetrante e tenaz do que
seria de esperar. O riso é até não puder mais. E os suspiros são do mais
verdadeiro. Está, portanto, tudo numa consonância aprimorada ao linde – joga-se
nos dados do vai-e-vem, da miúda que
passa, não pára mas fica sempre. Muitas vezes, sem que ninguém saiba que trouxe
consigo mais do que um souvenir. A permanência
é o tempo que traz nas mãos. E ela sabe colher flores. Como sabe lançar-se à arena perigosa, ofegante peito aberto e nariz no ar – só para fazer mira.
O que ela não sabe
é que a aula é bilateral. Os lápis são semelhantes e estão sempre afiados na perfeição.
As mãos divergem nas suas orlas, contendo, por acidente, o ónus de vestir
sorrisos. Magias à parte, afirma-se que é tudo mais difícil do que parece.
Os dias que
escorrem ombros fora, são engodos da perfeição. Diz-lhe, então em surdina, para
que não cesse, insiste, insiste. Não podes
parar.
circularidades
Quanto tempo faz
desde que comeste, simultaneamente e pelo menos, três pastilhas elásticas, no
mínimo? O processo é uma prazenteira folia, dentro da boca que, fechada, morde,
enrosca e emudece a flexibilidade dos dentes e línguas. É um retorno maleável,
impede gengivite por endurecimento das palavras. É um treino aprazível, ofertado
por uma caixa desconhecida que foi atropelada em qualquer lado.
Exige atenção:
- para não dentar
a língua.
- para não haver
lugar a entalar salivas.
- para não trincar
os dentes.
Intima a mão aberta,
a mesma que agarra o corrimão aquando o tropeço calha de aparecer, teimoso.
É um gesto
concreto, compassado, como as horas, que não passam. Não deixa de repousar na
jogatina circular, dança sufi dos dervixes rodopiantes, que não param. Estão presos
àquilo, ritual magnífico, que torna mescladas partes opostas do corpo.
A proficiência
das coisas está apenas no remate que se dá à indigência mais premente que
impele a sair da casca.
Os seus motivos são o
salvatério da afirmação constante daquilo que parece ser. Ou aquilo que pode
ser.
E os círculos somente
compram bilhete numa linha área que não faz sempre a mesma rota. Embora pareça.
Ana
20 junho 2012
triste vista
chegavam a casa à mesma hora. escondiam-se nas conversas indecorosas, que tinham alimentado na moita, minutos antes. nunca se despiam inteiramente.
ele adormecia a meio. tinha na mente outros deleites impossíveis, que o faziam achar tudo aquilo apenas uma passagem do nada para alguma coisa. insuficiente.
então, ela vinha para a rua e tossia como quem diz estar ali para todos verem. que triste vista. e ele acudia-a, pela rama.
e eu que via aquilo tudo, confortável. da cama.
que triste vista.
saco de plástico
17 junho 2012
aos pés largado
De dentro das
palavras que trazia
Tossicava apalermado,
De copo aos pés
e gente aos pés
e sílabas aos pés.
Desdizia e não sabia
porquê
Embatia-se
sozinho com as mãos
Não via nada, incandescido,
De charolas aos pés
e certeza aos pés
e cama aos pés.
Era culto e
cultivado de tons pastel
Pouca gente o
queria
Bastava-lhe e
respirava fumo,
De cabelos aos pés
e culpa aos pés
e de mim aos pés.
Erigia as
demandas
Soltava socos em
facas afiadas
Pensava enquanto
piscava o olho,
De putrefacção aos
pés
E escarninho aos
pés
E alma aos pés.
Estava tudo no chão
- Largado.Ana
15 junho 2012
regras e pouco mais
Levanto-me do
divã, num solevar de costas para a frente que parece pugnar com portentos escusos
por subordinados à alcatifa. Nuns bruscos e incontidos passos, que se dão na direcção
oposta ao que se devia, atiro-me à poltrona e daqui não saio, daqui ninguém me tira. Flectir as pernas provoca quem me olha, mas
apenas fito uma linha em recta, segmentada nas vicissitudes celulares. Essas esmeraldas
preciosas de jocosas nada têm, que se lhes possa aludir ou sublinhar. São regras
que os sucedimentos desacertados me lançam para as garras, ainda agarrada à arca.
Impossível é delimitar quem possui quem – a arca aferrolhada ao pé direito ou o
braço esquerdo abraçando a arca, desditosa.
Aponho o cabelo,
torto, atrás da orelha, joelhos flectidos, cotovelos perfeitamente dobrados e
seguro a cabeça. Pesar de frutas e, com muita pena minha, existe aos meus pés
uma incapacidade de me deitar, livre e estulta. A liberdade não serve de muito.
No entanto, prisões não me assistem a alma. Não ouço nada, num indeferir
permanente de mim mesma. É categoricamente pessoal e intransmissível. Mas dá-me
tosse, ríspida, fria mas em linha recta.
As regras são benditas
aos nacos, em golfadas de ar, que se me dá. Sinto-me sumptuosa e desmedida,
curvada a olhar em linha recta. Não se admite contemplar as moscas, que voluteiam
em trampa. Isso sim é lugar-comum. Não o escolho jamais. Nem para mim, nem para
quem me olha. E mais de que me olhar, me escreve paulatinamente e ao estampido,
ainda que certeiro, sem saber.
Não saber não aparece
nas regras. Não fui eu que as inventei. E não gosto de começar frases com não. Mas está na lista das regras. Que não
fiz, não escolhi. Atiraram-mas para o colo, agarrei-as com as mãos. Não sei que
lhes fazer.
Ana
14 junho 2012
defumada
Fragmentos e partes
Arrimados no ar
espessado
Desbaratavam-lhe
a conspecção
Defumada por silêncios
Desabrigos escondidos.
Ignorar alguns
dos caracteres
Torneava-se uma
linha.
Não a passará.
Ana
13 junho 2012
11 junho 2012
pequeno e lacónico pedaço
foi naquela altercação que mais se despiu.
tirou o pequeno círculo e talvez a rapidez seja inimiga da perfeição.
que tontura se cobiça intocável?
em escasseada locução, balizou os braços magros, contorno do seu copioso espaço.
tirou o pequeno círculo e talvez a rapidez seja inimiga da perfeição.
que tontura se cobiça intocável?
em escasseada locução, balizou os braços magros, contorno do seu copioso espaço.
09 junho 2012
não lhe trouxera nada
Atinha-se em epígrafe
a largada
Passada desumana
alteada
Numa cadência insuportável
Que rendeu mais
de meio evo
Opacos fragmentos
dirigíeis
Que despediam
Sem mais nem
menos
Para a quina
parda
Alvoroços de
peito pejado
Inchado
Que se mascarava
num ápice
Como um suspiro inocente
Timorato.
Não lhe trouxera nada.
Ana
07 junho 2012
selvagens e outras serenatas
Irrompia de um
estado moroso e tíbio. É sentido como um repente, que ela já não segurava. Prendeu-se,
enclausurada numa azenha desconforme, sem que soubesse. Não que não guardasse
no vestido vermelho os caóticos sentidos, díspares, mal controlados, de um
sucesso mais pungente, por imaginar.
Foi como um
tombo, que dava repetidamente, em palavras e frases marteladas ao longe. O vestido
esvoaçava quando se punha à janela. No entanto, desconhecia o sopro que o fazia
dançar. Bailes assistidos de atalaia, que por ora deixavam de o ser só por um ensaio
oferecido à média luz do candeeiro que acendia de vez em quando.
Mas nesse
lusco-fusco inopinado e tão atilado, esvoaçava mais ainda o rodado do vestido
dela. Transfigurava-se em insensatez desmaiada, que a baldeava a mais letras e
mais compassos de tempo – o tempo distinto e difuso, fugidio que não passa.
Não passava de
uma queda, continuada e para ela não anunciada. Surpreendida, acometia-lhe às mãos
substâncias magníficas, que de direitas e alvas nada têm. Só se sabem sem sons
de tormentos declarados de outros. E há palavras que valem mais do que mil
imagens. Há palavras com mais música do que uma orquestra. Ela sabia. E ele também.
Indomesticável espaço,
ordenando o desfazer da caneta, adiado por muito tempo. O mesmo que deixa de
importar por já não ser experimental. Ela ouve. Limita-se e deita-se numa
espera de palavras, faz uma colecção impressionante de letras.
O vestido pode
ser o mesmo. É o mesmo. Só altera o quanto gira. São as palpitações incontidas.
Fazem o pano saltar.
Ele sabe. E ela gosta.
Ana
03 junho 2012
dito no pouco escrito
ela tinha um quadro novo. caia-lhe aos pés sempre que o lia. mas tinha de ser ao perto. o quadro era parte da história do outro que, quem sabe, pensava na outra. tudo para marcar passo.
a memória é um lugar fantasmagórico onde se ensaia o relógio de pulso - aquele tic-tac ao ouvido enquanto se segura a cabeça.
o quadro adorna mais do que o esperado.
Ana
a memória é um lugar fantasmagórico onde se ensaia o relógio de pulso - aquele tic-tac ao ouvido enquanto se segura a cabeça.
o quadro adorna mais do que o esperado.
Ana
Pedaço pequeno de um quadro do Pintor Leonel Cunha |
02 junho 2012
beijos
Há mais beijos
do que expressões faciais. O valor do beijo é inumerável, nunca ficando por
esgotar. O beijo é o gesto profundo. Os olhos estão para o espelhar da alma
como o beijo está para a fisionomia do revérbero que se toma nessa imagem. Daí
que são tantos os beijos – as formas, as cadências, as intensidades –
conquistando o lugar certo, o momento errado, atingindo alvos de afeição, a
mesma da simbiose, do jeito, do amor e do tem-de-ser.
Como quer que
seja, o beijo transforma sempre quem une, numa troca de qualquer coisa e é
impassível de fingimento. Não se engana num beijo atirado, somente por que não
se mente com a boca, mas com o nariz, que vem estragar tudo, que vem permear a
distância à face e suas partes constitutivas. Mas relembra-se que o todo é mais
do que a soma das partes e estas são as impressões digitais, expoente
máximo do tempo de cada um. E, voltando, mente-se com o nariz e com a garganta.
Culpam-se bocas e depois recusam-se beijos. Sentenceiam-se lábios e denuncia-se
a mente mentirosa, indubitavelmente, nos beijos de esguelha, amarelos e sem
açúcar, pimenta ou contorno.
Assim,
os beijos
são fáceis, quando se arpoam os rebentos intervenientes nas convicções
vítreas
do que se trás nas mãos fechadas. São difíceis quando se teme ou se
despede de
alguém. Os beijos são palavras conjugadas em dissertações sobre temas
variados,
pousados no mesmo pano de fundo, que é uma raiz emaranhada em somas
exactamente subjectivas. Sempre sem certezas e de certeza que nalgum dos
beijos dados houve
medo, mas muito mais se acumula nos que ainda não se deram.
Os beijos
originam e estão na base, esculpindo moratórias de encontros. Os beijos dão-se
de forma dualista, criam um par infrangível, esperando tacitamente um
reencontro apaziguado com os mais fundos objectos de desejo, esses pergaminhos
que forram as paredes da existência, tantas vezes comodistas. Aí tudo se
deturpa. Só que não me agrada pensar nesses. Como tudo o que corrompe é
temática ultrapassada nos meus dedos. Só por que me cansa.
Os beijos, esses,
não cansam, não vêem, por serem muitos e inconstantes. Vêm de dentro e só já
não são cegos quando são já não se podem suportar. Tornam-se estranhos.
Pois podia não
parar de inventariar coisas de beijos, grandes, pequenos, rápidos, demorados,
molhados, duros, de adeus e até logo. É um tema espaçoso que me cose nos braços
uma ideia ideada a tons de azul, de que vivemos tão mais em função dos beijos –
dados, não acontecidos, impossíveis, roubados e repetidos – do que era possível
antes de me votar ao pensamento (boa dica, boa ideia, por isso pega lá um beijo).
Afinal nunca os riscamos da relação que tecemos, devagar, em mergulhos do mais
interiormente factível, para fora e só depois para o outro. Sem ver.
Lu
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