20 junho 2014

prefácio

Há, sim há, pessoas que são livros. Os livros, que são um discorrer de folhas, cheias de palavras, que dizem tantas imensuráveis emoções. Até sentimentos. Até choques que se apalpam, que se tocam. 

Há pessoas que são livros. Há pessoas que são livros cheio de palavras que se dizem, que se calam, que se escondem. Eclodem. 

Há pessoas que são livros sem fim. Tão densas e compostas que há quem só lhes consiga ler o prefácio. 

Mas enfim. 


16 junho 2014

janelas por todo o lado

As coisas que podem acontecer num descampado, supostamente um sítio isolado, um ermo aparentemente insuspeito, são inúmeras. Dou por mim a relembrar quantas situações já assisti, de cima e ao longe, no palco acidentado que se espraia do conforto da cadeira onde fumo os mais longos cigarros. 

Por vezes, espio a vida dos vizinhos do prédio em frente. Claro que só se vê a vida da janela, que certamente é aquela que eles permitam que se veja. Ou, por outro lado, a vida da janela pode muito bem ser aquela que acidentalmente se mostra. 

Há sempre um voyeur, alguém a observar-nos. Por mais que nós possamos tentar esconder, tentar fazer esquecer ou até mesmo tentar fechar todas as persianas há, indubitavelmente, brechas, frestas, rachas, furos, buracos e outros que tais por onde deixamos que nos vejam. 

E isso será sempre de quem vê. Não nosso - é a indelével função humana de jamais ser ilha. Por mais que se tente, por maior que seja o empenho e por mais que a estupidez humana não possa ser concluída. 

Da mesma maneira, estamos sempre à procura de alguém que nos veja, pensando muitas vezes que só mostramos o que queremos. A mim parece-me um abuso, uma mania de sentirmos que controlamos a vida. 

É até ao dia - da liberdade. 


07 junho 2014

Faz-me pensar.

Incidentes acontecem a toda a hora. 

Infelizmente, tropecei numa situação que, não só me desagradou, como me fez ficar com um atónico sabor amargo na boca. 



O que se passou foi que conheci uma rapariguinha (inha mesmo) que acha que pode tudo. Pode tudo, conquista tudo, nada escapa. Pior do que isso - a rapariguinha sabe tudo. Pois bem que o meu ar há-de ter sido tão pasmo e quedo que a motivou a continuar, naquilo que posso denominar um surto de narcíciso, premiado a megalomania auto-orgasmática. Não, não é um diagnóstico. Só uma conclusão após o factual despejar de frases ridiculamente ocas de uma boca para fora. 



Pasma. Queda! 

Aquilo passou. O momento. Nem pude pensar mais nada, do que pensei, instantaneamente. 

Agora lembrei-me disso. Acudiu-me à memória. Dou comigo a lamentar. Há registos que escondem tanta coisa. Geralmente, quem canta do poleiro nem sabe bem o que o próprio do poleiro é. E a insegurança dá medo. E o medo só pode seguir duas vias. A da coragem. O do desvio. 

Mas para se ter coragem é, realmente, imperioso olhar para quem somos. Nos piores momentos possíveis. Nos melhores imaginados. Nos extremos. Esses mesmos que detestava quando tinha   20 anos. Mas isso era eu com 20 anos. Hoje entendo que saber viver não tem medida, nem cor, nem métrica. Hoje sei que se perde tanto, em vislumbres antecipados e que nada se pode fazer. O ganho é retomar. 

Gosto de incidentes. Fazem-me pensar! 


05 junho 2014

Os dead combo e os bailaricos

Pum. Pum. Trrrtaaataaaaa puuummm!




Foi com vontade que rebentaram cores em cima do rio, por cima das cabeças, ali mesmo no jardim das virtudes. Foi mesmo depois dos dead combo tocarem para nós todos, que estávamos ali a olhar e a dançar. A beber cerveja e vinho, tudo a 1 euro. A falar de tudo e de nada. A fumar cigarros e a sentir os odores uns dos outros. Também, com curiosidade, nos metemos nas selfies uns dos outros e rimos bastante. 

Somos todos tão diferentes e estamos encantados com isso. 

Uns usam rastas. Outros usam cabelos lisos. Outros nem se penteiam. Há aqueles que usam óculos, casacos de cabedal, sapatos vermelhos do feiticeiro de oz, câmeras nikon. 

Alguns chegaram ali de bicicleta (não passa deste ano comprar a minha). Uns de carro, metro, a pé. Outros de avião, de certeza. Turistas, turistas e turistas. Vêm ver a minha cidade. O Porto

Foi mesmo assim. Sem confusões da depressão desta dita crise. Sem culpas da treta. Sem preconceitos bacocos. Sem dramas, nem tramas. Sem enredos, nem mal entendidos. Sem pejo, nem trombas. Sem amuos, nem engates. 

Só pessoas. A dançar!

Pum. Pum!


01 junho 2014

Esta cena 'tá muito esquisita

Já há uns anos que ando a construir uma torre. Julgo que finalmente atingi o topo da construção da torre. Aqui não há grande barulho. Só aquele que permito. Aqui mando em tudo. Queres entrar? É que a cena 'tá mesmo muito esquisita e por vezes até acredito que nunca vai deixar de estar. 

Brinquei na rua. Li Miguel Torga. Vi as "Noites da Má Língua". Estudei piano. Parti um braço. Escrevi poemas aos treze anos. O meu cão morreu no meu colo. Tenho amigos há mais de 20 anos. Estudei, empenhei-me, fui aos exames todos. Trabalhei às 13 horas por dia. Bateram-me palmas. Porra, já me disseram que eu era a melhor. Também já me disseram que era a pior. Amei sofregamente. Chorei até me doerem os olhos. Passei horas a rir a bandeiras despregadas com o meu irmão e, por causa disso, nunca aprendi a andar de bicicleta. Lia livros de Psicanálise aos 15 anos. Saltei ondas na Nazaré agarrada às minhas primas. Sonhei dar a volta ao Mundo em balão. Fugi de casa. Menti aos meus pais. Nunca fiz o crisma. Rapei o cabelo. Usei saltos altos. Pintei os lábios de vermelho. Vi o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind" mais de três vezes (ontem foi a quarta). Ainda hoje gosto dos "The Doors". Deixei tudo por Amor. 



Dizem que está tudo bem. Mas o que é essa merda? Desculpa lá! Está tudo bem? Podiam dizer cenas diferentes. Isto é como andares manco, ires ao médico, o mesmo que te vai mandar fazer exames e, depois de os ver, diz "Está tudo ok. Tome só estes comprimidos para as dores durante uns quatro dias, duas vezes ao dia, que isso passa." Aí perguntas o que fazer se as dores voltarem. E vais ouvir " Tome os comprimidos novamente, durante quatro dias, duas vezes ao dia!" As dúvidas assolam-te. Pensas até que o médico está a gozar com a tua cara. Olhas para ele e o homem está a sorrir para ti. 

A tua dor não existe. Ou melhor. Até existe. Mandam-te mascará-la com drogas feitas em laboratório. E de repente apercebeste - vem tudo feito. É só escolher. 

Fazes a lista: 
comida pré-cozinhada
áudio-livros
iPhones que têm a tua vida lá dentro
amigos da treta
gajos/as a engatar-te no facebook
"sei que te amo, mas esta merda dá trabalho e então não vai dar"
almoços de família em que estás de ressaca
chinelos importados do Brasil
cuecas made in Indonésia
roupa da Zara
colares de uma loja alternativa da Baixa
música que ouves porque toda a gente ouve e então públicas no facebook para teres imensos likes
"o meu pai deu-me um carro"
"a Catarina é gorda - mas gosto dela, é amiga" 
passam dois anos e "quem é a Catarina"
revistas de moda
iPad's e iPod's 
"não voto. não confio nos políticos." 
"quem? Luis Marques Guedes? Quem é?  É aquele que apresenta o telejornal?"
"antes de dormir vou ao facebook"
"ah, um dia vou ter sucesso; sou super inteligente."



E olha, etc. Detesto etc.'s. Aqui tem de ser. É a vida que é rápida. Eu vejo isto aqui da minha torre. Ironicamente, até por que o Sócrates, o Grego, é meu companheiro de quarto, cama e banheira   desde 1994 (se não entenderes vai estudar filosofia) a minha vida está lenta. Ficou assim. 

Resumindo tudo isto, apoio-me na grade da varanda da minha torre e concluo: "O meu problema é que esta cena 'tá mesma esquisita!!"