14 setembro 2014

Soluço

As minhas coisas fazem-me tanta falta. Estou com os pés enterrados em obrigações. Estou com as mãos atadas em listas mundanas. Não era nada disto que eu queria. Também não pretendia chegar a este lamúrio. Já nem há por onde fazer rebentar a impetuosidade de outros dias. 



Estou tranquila; apesar de tudo, ainda sei o que são as minhas coisas: são extensas num curto discorrer de palavras, que me assolam por provocações extemporâneas dos outros, das conversas interessantes, dos carros a passar depressa pelo meu, dos muros cravejados de gatos espraiados e sem nada para fazer (basta-lhes existir), das dúvidas intricadas sobre os pensamentos dos outros, das manias das pessoas em ter manias, das certezas sôfregas dos aflitos, das faces admiradas e esquálidas dos curiosos, das mulheres gordas e de mamas nuas na praia, do metro cheio de gente a cheirar a escravidão democrática, da solidão néscia após me despir sozinha na banheira, de correr atrás dos sonhos como quem tem rodas em vez de pés. 



Possivelmente, esqueci-me de infinitas coisas minhas. Não por falta de memória. Estas são apenas as que recordo mais contiguamente ao acto de fechar os olhos enquanto escrevo. 

De repente, parece que está tudo aqui outra vez. Até consigo sentir o cheiro da tinta e o coração a bater certinho.