Perco algum tempo, não no sentido de perda oca, mas porque me deixo levar, em devaneios coloridos sobre este e aquele, sobre os que vão passando.
Em Barajas, recordo-me agora, ter estado a conversar com uma mulher nos seus sessenta, Peruana, que dedicou a vida a ajudar alguma das muitas comunidades religiosas a alimentar a população de Lima, no Peru. Dizia-me o quão difícil foi organizar tudo para arranjar arroz e milho para as pessoas. Contava-me que endureceu os dedos a amassar pão para as pessoas. Explicava-me o quão difícil foi arranjar um espaço e lápis para ensinar mulheres a ler e a escrever. Falava-me orgulhosamente do padre, do qual não me lembro do nome, homem trabalhador e preocupado, afirmava. Era pequena e morena. A sua voz era doce e sucinta, cheia de esperança. Quando entramos no avião, não a tornei a ver. Até hoje. Já passaram 5 meses. Verdade é que se a tornasse a ver, provavelmente não a reconheceria. Só a sua história me assalta a memória, de quando em vez, afincando-se feliz, prazerosa. Na minha cabeça, imagino-a no bairro de Callao, em Lima, que posteriormente vi de passagem, atarefada, inquieta e cheia de vontade, partilhando-se por uma causa nobre, deslizando pelo meio de caminhos castanhos e verdes, a contornar tijolos empilhados em todo o lado. Com ou sem deus por trás. Posso dizer até que, para mim, ela passou aquilo tudo sem dizer que lhe doía a cabeça, sem se queixar dos joelhos ou das costas, sempre com roupas do mesmo feitio, o mesmo corte de cabelo, sem perfumes. Ali só erguia aquela vontade inabalável. Por ali, azafamada, sem tempo de lhe doer a alma.
Passou.
No final do dia, todos somos pessoas com as nossas estantes pessoais. Transporta-mo-las com noção clara de que, quando se apagam as luzes dentro de um avião (especialmente no voo de longo curso), o maravilhoso milagre de estarmos vivos está jogado ao ar, nas mãos de um qualquer bravo piloto. Sabemos que quando se acenderem, vamos estar perto do destino, o mesmo onde escrevermos mais algum pedaço para a nossa estante. E que no meio de tantas horas vazias, de olhares de estranhos, ar condicionado, microfones estridentes, barulho de avião, malas e maletas, poderemos orgulhosamente tirar uma história daquelas magníficas. Partilhamo-las mais connosco próprios. Detenho-me com este sentimento de que, na verdade, todos temos é saudades de casa.