04 novembro 2017

dois portuenses a tomar café em Lisboa

Ver Lisboa de cima fê-la parecer inacreditavelmente pequena. Daquele ângulo, não propositado mas sim apenas acidental, tal qual eles, Lisboa estava organizada colorida a rosa e amarelo, ponteada a branco sujo. Estava bonita. Eles eram os dois portuenses, que mais tarde caminhariam pelas ruas de Lisboa. Não estariam a passear, pouco falariam. O mais importante era proteger que a saia dela levantasse com a ventania. As palavras não importariam nada. Mais nada. As perguntas dariam lugar a passada larga, apressada para lado nenhum, pois não haveria lado nenhum, não com aquela atitude que seria como quem quisesse fazer de conta que tudo seria tão inocente. Qual inocência seria essa se a saia dela estaria prestes a esvoaçar? Qual inocência seria essa se ninguém ali saberia em rua se poderia sentar apenas e falar falar falar. O que seria óptimo era os pensamentos falarem também. Porque gritaria gritos estúpidos, parvalhões, cheios de bs em vez de vs, com aqueles gestos que riscariam o ar. Lisboa não estava preparada para isso, com certeza. Por isso mesmo, aqueles dois portuenses ali perdidos em passos sem rumo, rápidos e magoados, histéricos e indignados, que nem teriam tanto assim a carregar, não poderiam coexistir ali naquelas ruas pontilhadas as cores, todas alegres e confortáveis. E foi por isso que ela nem pousou ali, nem ele a esperou para a levar a passear. 
Passaram, e isso é facto, a ser feitos de cera à espera de uma qualquer noite de fim de Verão para, assim, apenas derretem até à memória.