23 maio 2019

Deito fora o pára-quedas!? Depois é só cair

Apetece-me cair de joelhos, no meio do chão e que o chão não tenha quaisquer suavidades ou amortecedores. 

Há este desejo de estourar os joelhos no chão e, se possível, que tenha picos, pedras, areias, pedaços de garrafas de champanhe, assim aos pedacinhos bicudos, pontiagudos, dilacerantes. 

Quero bater com ambos joelhos no chão, à bruta, sem dó nem piedade, com força titânica a fazer com que os dois acertem no chão no mesmíssimo segundo. 

Almejo cair de joelhos no chão e que esse esteja frio, congelado, afinando ainda mais os escombros da festa que se deixou ali sem olhar para trás. 

Há em mim toda a impetuosidade de me querer rebentar de joelhos naquela merda toda, que talvez pareça emaranhada, mas não é nada disso. 

Desejo cair nesse chão e, assim, simplesmente partir os joelhos para me concentrar em sanar o sanável, tratar de mim, andar de cadeira de rodas durante meses a fio, fazer fisioterapia. 

Fi si o te ra pia! 



E levar meses nos tratamentos, saber que vai demorar a andar normalmente de novo. Calcular que, quiçá um dia, por boa graça de deus, até possa caminhar como dantes, quem sabe. O médico pode dizer-me que isso pode ser possível e, dessa forma, eu posso almejar recuperar-me, atingir aquele patamar que me vai deixar feliz. Vou ter apoio e ajuda e gente a ligar para saber-me dos joelhos e de mim que nunca mais apareço. Teria de mudar tanta coisa, até de casa e levar os móveis todos e os livros que, pobres, estarão gastos de serem a minha companhia nas longas horas vazias, só lhes dando descanso para atender o telefone às pessoas preocupadas e fazer planos esperançosos de uma recuperação incrível.  Talvez no meio disso me dê conta que a cruel dor insanável se tornou residual, depois de ter tanto com o que me preocupar, e até me ter esquecido porquê dela existir. 

Já disse em outras alturas que o tempo não existe. Sei isso. Mas a verdade é que o ponteiro passa e a vida faz o que a obrigam as pessoas a fazer. E, seguidamente, o ponteiro a passar e a vida a acontecer, sempre, que quando damos conta aquilo que era tão imperioso e pungente fica pequeno, meio turvo. Pensa-se como foi possível transportar aquela dor, aquela que não levamos para a fisioterapia, mas que está ali manifesta-me a rasgar tudo que se tem dentro. A alma. 

É que, na verdade e logicamente, jamais quero partir os joelhos, muito menos em despojos. Mas também em verdade não quero este prego de 5 cm de diâmetro espetado no peito, em que o ponteiro só parece empurrar devagarinho a cada micro movimento. É que, ainda por cima, como se não bastasse, como se não fosse já suficiente, o prego fura insistentemente por cima de uma cicatriz. Que tem outra por baixo. E mais outra. 

Quem vos disse que eu não era inocente, enganou-vos bem. E há dias assim. Inevitáveis. Uns atrás dos outros. 

Fim.